A eleição do Papa Leão XIII marcou um dos momentos mais importantes da história moderna da Igreja Católica. Realizada em fevereiro de 1878, esta eleição sucedeu à morte do Papa Pio IX, o pontífice que mais tempo permaneceu no trono de São Pedro depois de São Pedro, e que deixara a Igreja profundamente transformada, mas também isolada politicamente após a perda dos Estados Pontifícios. A escolha de Leão XIII representou, portanto, um novo sopro de esperança e renovação espiritual num tempo de desafios sem precedentes.
Contexto histórico — A Igreja após Pio IX
O Papa Pio IX faleceu em 7 de fevereiro de 1878, após um pontificado de mais de 31 anos, o mais longo da era moderna. Durante o seu governo, a Igreja enfrentou profundas transformações políticas e sociais, entre as quais a unificação da Itália e a perda dos Estados Pontifícios, em 20 de setembro de 1870, quando Roma foi tomada pelas tropas do rei Vítor Emanuel II.
Com isso, o papa deixou de ser soberano temporal, e a Santa Sé passou a considerar-se “prisioneira no Vaticano”. A morte de Pio IX deixou a Igreja num clima de incerteza: o papado perdera o seu poder temporal, mas ganhara nova força espiritual após a definição do dogma da infalibilidade papal no Concílio Vaticano I (1869–1870).
O próximo papa teria de enfrentar uma missão delicada — reconciliar a Igreja com o mundo moderno sem comprometer os princípios da fé.
O Conclave de 1878
O conclave foi convocado após os funerais de Pio IX e teve início em 18 de fevereiro de 1878, na Capela Sistina, dentro do Vaticano. Participaram 61 cardeais (de um total de 64 eleitores), provenientes de várias partes do mundo católico, embora muitos europeus não tenham podido viajar devido a problemas políticos e logísticos.
O conclave foi um dos mais breves do século XIX, durando apenas dois dias. Desde o início, destacou-se a figura do Cardeal Vincenzo Gioacchino Pecci, então Cardeal-Bispo de Perúsia e Camerlengo da Santa Igreja Romana, cargo que o colocava como administrador interino do Vaticano durante a sede vacante.
Pecci era conhecido por ser um homem de grande cultura, diplomata habilidoso e dotado de uma visão equilibrada. Tinha experiência como núncio apostólico na Bélgica e era reconhecido pelo seu trabalho pastoral e intelectual.
A eleição de Leão XIII
Na manhã de 20 de fevereiro de 1878, após apenas três escrutínios, o Cardeal Pecci foi eleito Papa por aclamação quase unânime. Aceitou a eleição e escolheu o nome de Leão XIII, em homenagem ao Papa Leão XII (1823–1829), símbolo de sabedoria e moderação.
No mesmo dia, o novo pontífice foi apresentado ao Colégio Cardinalício, e a sua eleição foi anunciada ao mundo com o tradicional “Habemus Papam!”.
A solene coroação papal realizou-se em 3 de março de 1878, na Basílica de São Pedro, sendo a última coroação papal realizada no interior da basílica antes da extinção do uso da tiara. O rito foi presidido pelo Cardeal Protodiácono Prospero Caterini.
Perfil e primeiros gestos do novo papa
Leão XIII, nascido Vincenzo Gioacchino Raffaele Luigi Pecci em 2 de março de 1810, em Carpineto Romano, tinha 67 anos no momento da eleição. Foi ordenado sacerdote em 1837 e serviu em várias missões diplomáticas e dioceses italianas, destacando-se pela sua prudência e erudição.
Logo após a eleição, demonstrou um estilo pastoral profundamente diferente do seu antecessor. Apesar de manter firmeza doutrinal, procurou aproximar a Igreja dos novos tempos, promovendo o diálogo com o pensamento moderno e incentivando a harmonia entre fé e razão.
Um dos seus primeiros gestos simbólicos foi dirigir uma mensagem conciliadora ao rei de Itália, procurando atenuar as tensões políticas entre a Santa Sé e o novo Estado italiano.
Um pontificado de renovação e diálogo
O pontificado de Leão XIII (1878–1903) viria a ser um dos mais influentes da história contemporânea. Chamado muitas vezes de “O Papa da Doutrina Social da Igreja”, foi ele quem promulgou, em 15 de maio de 1891, a famosa encíclica Rerum Novarum, sobre a condição dos operários — documento que lançou as bases do pensamento social católico moderno.
Além disso, Leão XIII destacou-se por:
- Restabelecer o prestígio intelectual da Igreja, promovendo o estudo de São Tomás de Aquino e da filosofia escolástica, através da encíclica Aeterni Patris (1879).
- Melhorar as relações diplomáticas com vários países, incluindo a Alemanha, após o “Kulturkampf” de Bismarck.
- Reforçar o papel do papado como autoridade moral e espiritual, sobretudo após o colapso do poder temporal.
- Incentivar o ecumenismo e o diálogo com as Igrejas orientais e com o mundo não crente.
Leão XIII foi também o primeiro papa a ser filmado e gravado em fonógrafo, tornando-se, assim, o primeiro pontífice a deixar o seu rosto e voz para a posteridade através de novas tecnologias.
O legado espiritual e histórico
Leão XIII faleceu em 20 de julho de 1903, aos 93 anos, após 25 anos de pontificado, um dos mais longos da história da Igreja. Foi sepultado na Basílica de São João de Latrão, o que constituiu uma exceção, pois a maioria dos papas é sepultada em São Pedro.
O seu governo ficou marcado pela sabedoria, pela prudência diplomática e pela coragem de enfrentar os desafios do mundo moderno sem perder o sentido da fé. A sua eleição em 1878 representou um novo amanhecer para a Igreja, após décadas de conflitos políticos e de isolamento.
Conclusão
A eleição do Papa Leão XIII, em 20 de fevereiro de 1878, foi um marco de renovação e esperança na história da Igreja Católica. Herdando uma Igreja ferida e isolada, Leão XIII transformou o papado num farois espiritual de autoridade moral, promovendo o diálogo entre fé e ciência, Igreja e sociedade.
O seu lema, “Lumen in Coelo” — Luz no Céu —, não poderia ter sido mais apropriado. A sua eleição iluminou o final do século XIX com uma visão de fé viva, razão esclarecida e caridade social, abrindo caminho para o século XX e preparando o terreno para a missão pastoral dos seus sucessores.
O Papa Leão XIII permanece, até hoje, como um dos grandes arquitetos da modernidade católica, e a sua eleição, em 1878, como o início de uma nova era para a Igreja.
