No limiar da Segunda Guerra Mundial, quando a Europa se encontrava à beira de um novo e devastador conflito, o recém-eleito Papa Pio XII fez um dos discursos mais memoráveis e dramáticos da história do século XX. No dia 24 de agosto de 1939, apenas uma semana antes da invasão da Polónia pelas forças alemãs, o Pontífice dirigiu-se ao mundo inteiro através da Rádio Vaticano, num apelo fervoroso à razão, à reconciliação e à paz entre as nações.
A frase que ressoou por todo o globo — “Nada se perde com a paz, tudo pode perder-se com a guerra” — tornou-se símbolo do seu pontificado e um eco profético das tragédias que se seguiriam.
O contexto: o mundo à beira do abismo
O verão de 1939 foi um dos períodos mais tensos da história moderna. A Alemanha nazi, sob o comando de Adolf Hitler, preparava-se para invadir a Polónia, enquanto as potências europeias tentavam, em vão, evitar um novo confronto armado.
O Pacto Germano-Soviético, assinado a 23 de agosto de 1939, selou o destino da Europa: uma aliança temporária entre dois regimes totalitários que dividia o continente em zonas de influência.
A guerra parecia inevitável. O Papa Pio XII, eleito apenas em março desse ano, encontrava-se assim perante uma crise global de proporções inéditas, poucos meses após o início do seu pontificado.
O apelo de 24 de agosto de 1939
Percebendo que as negociações diplomáticas estavam a fracassar, o Papa decidiu usar o novo meio de comunicação da época, a rádio, para dirigir-se diretamente aos líderes e povos do mundo. O seu discurso, transmitido em várias línguas pela Rádio Vaticano, foi intitulado “Um apelo à paz”.
Com uma voz serena, mas cheia de emoção, Pio XII declarou:
“Neste momento, em que o perigo da guerra ameaça o mundo, dirigimos um apelo aos governantes e aos povos: que voltem os homens a entender-se! Que retomem o diálogo! Com a boa vontade e o respeito mútuo, tudo ainda é possível. Nada se perde com a paz; tudo pode perder-se com a guerra.”
O Papa insistiu na urgência do diálogo e na necessidade de recorrer a meios pacíficos para resolver os conflitos. O seu tom foi simultaneamente paternal e solene, refletindo uma profunda preocupação pastoral pelo destino da humanidade.
A receção mundial
A mensagem de Pio XII foi amplamente divulgada e comentada pela imprensa internacional. Muitos líderes políticos ouviram-na, mas, infelizmente, poucos a atenderam.
Apenas uma semana depois, a 1 de setembro de 1939, a Alemanha invadiu a Polónia, e a Segunda Guerra Mundial tornou-se realidade.
Ainda assim, o apelo do Papa teve um impacto profundo. Mesmo entre não católicos, foi reconhecido como uma voz moral solitária que, perante o caos iminente, chamava a humanidade à razão e à compaixão.
A posição de Pio XII durante a guerra
Com o início do conflito, Pio XII manteve uma posição de neutralidade diplomática, mas ativa na defesa dos valores humanos e na ajuda às vítimas.
A sua ação concentrou-se em:
- Organizar esforços humanitários através da Santa Sé para socorrer refugiados, prisioneiros e civis;
- Proteger comunidades judaicas e minorias perseguidas, utilizando a diplomacia discreta do Vaticano;
- Promover negociações de paz e apelos à cessação das hostilidades em várias ocasiões.
O discurso de 1939 marcou, assim, o início de uma política de paz e misericórdia que caracterizaria todo o seu pontificado.
O valor histórico e espiritual do apelo
A frase central do discurso, “Nada se perde com a paz; tudo pode perder-se com a guerra”, transcendeu o seu tempo, tornando-se uma das expressões mais citadas na história dos papas contemporâneos.
Este apelo revela o pensamento profundo de Pio XII sobre a dignidade humana, a inutilidade da violência e a necessidade de construir uma civilização baseada na justiça e no amor cristão.
Num momento em que o mundo se preparava para o pior, o Papa ofereceu um testemunho de esperança e de fé na razão moral da humanidade, mesmo quando esta parecia desaparecer.
Legado e memória
Hoje, o apelo de 24 de agosto de 1939 é lembrado como um dos discursos mais importantes do século XX.
A sua mensagem permanece atual, especialmente em tempos de guerra e tensão internacional: a paz não é apenas ausência de conflito, mas resultado da conversão dos corações e do compromisso com a verdade e o bem comum.
Ao evocar aquele momento, muitos historiadores reconhecem em Pio XII um pastor profundamente preocupado com o destino do mundo, que procurou, com as armas da fé e da palavra, deter o curso da destruição.
Conclusão
O apelo radiofónico de Pio XII em 24 de agosto de 1939 foi mais do que uma intervenção diplomática: foi um grito profético da consciência cristã.
Enquanto os tambores da guerra soavam, o Papa levantou a voz em defesa da paz e da dignidade humana, deixando ao mundo uma mensagem eterna:
“Nada se perde com a paz. Tudo pode perder-se com a guerra.”
Essas palavras ecoam ainda hoje como um convite à reconciliação entre os povos e um lembrete da responsabilidade moral de cada geração perante a história e diante de Deus.