A história da Igreja está repleta de episódios em que a fé simples e ardente de homens e mulheres revelou o poder de Deus de forma extraordinária. Um dos mais belos exemplos vem do coração da Idade Média, na pequena cidade italiana de Assis, onde Santa Clara, discípula e amiga de São Francisco, testemunhou o poder da Eucaristia ao enfrentar um exército inimigo. Este episódio, conhecido como o Milagre Eucarístico de Santa Clara de Assis, ocorreu em setembro de 1240 e continua, até hoje, a inspirar os fiéis do mundo inteiro.
Contexto histórico: a Itália dividida e o cerco de Assis
O século XIII foi um tempo de grandes tensões políticas e religiosas. O Imperador Frederico II, em conflito com o Papa Gregório IX, travava uma série de guerras contra as cidades fiéis ao papado. Entre as suas tropas, havia mercenários sarracenos — muçulmanos provenientes da Sicília — que serviam o imperador nas suas campanhas pela Península Itálica.
Foi nesse contexto que, em setembro de 1240, um destacamento de soldados sarracenos chegou aos arredores de Assis, com o intuito de saquear a cidade e profanar os mosteiros. O alvo mais vulnerável era o mosteiro de São Damião, fundado por São Francisco e habitado por Santa Clara e as suas irmãs.
O episódio: Clara e a Eucaristia diante dos invasores
O livro “Lenda da Virgem Santa Clara”, escrito por Tomas de Celano, conta-nos diversos milagres realizados pela santa, como multiplicação de pães ou a aparição de garrafas de azeite quando não existiam mais no convento. Mas o mais famoso aconteceu em 1240, numa sexta feira, dia 12 de setembro, quando Clara consegue afugentar os soldados sarracenos que penetraram à força no Convento de S. Damiano.
A cidade de Assis estava a ser ameaçada pelo Imperador Frederico II. Obcecado em tomar a cidade, ordenou às suas tropas para cercar a cidade, com o objetivo de devastar e saquear tudo e todos. Num dos ataques, os sarracenos aproximaram-se do Mosteiro onde Santa Clara vivia com as suas Irmãs religiosas. Assustadas elas foram ao encontro de Clara a pedir socorro.
Santa Clara, com a saúde comprometida e muito enfraquecida, ao ver a aflição e angústia das suas Irmãs, pediu que a levassem até a porta do Mosteiro, bem na frente dos inimigos, levando consigo a custódia com a Hóstia Consagrada e suplicou, com lágrimas nos olhos: “Ó Meu Senhor, queres colocar as tuas servas indefesas nas mãos dos pagãos, as mesmas que por amor a Ti eu eduquei? Senhor, eu te peço, protege estas tuas servas, porque eu sozinha não posso salvá-las!”. Logo de seguida ouviu-se um sussurro de criança vindo da custódia: “Eu as protegerei sempre!”
Clara orou, elevando a Hóstia Consagrada em direção aos inimigos e à cidade: “Meu Senhor, protege também, se é a tua vontade, esta cidade, que nos sustenta pelo teu amor”. E Jesus tranquilizou-a dizendo: “Terá que sofrer duras penas, mas a minha proteção a defenderá”. Então a virgem com o rosto banhado de lágrimas conforta as irmãs em pranto: “Dou-vos garantias, filhas, que nada sofrereis de mal, desde que tenhais fé em Cristo!”.
Não demorou muito e a audácia dos agressores transformou-se em espanto e, abandonando apressadamente os muros que tinham escalado, foram derrotados pela força daquela mulher que rezava e pelo brilho que emanava da Hóstia Consagrada, que ofuscou violentamente a visão daqueles soldados. Logo em seguida, Clara determinou com seriedade às que tinham ouvido a voz: “Tenham todo o cuidado, queridas filhas, de não revelar essa voz a quem quer que seja, enquanto eu viver”.
Milagre reconhecido e memória perene
O acontecimento espalhou-se rapidamente por toda a Úmbria e foi considerado um sinal da presença real de Cristo na Eucaristia e da proteção divina sobre aqueles que confiam no Santíssimo Sacramento.
Desde então, o episódio é lembrado como um dos grandes milagres eucarísticos da história da Igreja e figura entre os sinais que sustentaram a fé franciscana no poder da oração e na humildade diante de Deus.
O local do milagre, o Mosteiro de São Damião, conserva até hoje uma profunda atmosfera de recolhimento e é um dos lugares mais visitados por peregrinos que buscam conhecer a espiritualidade de Santa Clara.
Significado espiritual
O gesto de Santa Clara ensina que a força da Igreja não está nas armas humanas, mas na presença viva de Cristo na Eucaristia. A santa, frágil e doente, não resistiu com violência, mas com fé. E foi precisamente a sua fé que se tornou escudo e vitória.
O milagre é, também, um convite à adoração eucarística e à confiança total em Deus. Assim como Clara protegeu o seu mosteiro com o Santíssimo, cada cristão é chamado a proteger a sua vida espiritual com a presença de Cristo no coração.
Legado e celebração
Santa Clara foi canonizada a 15 de agosto de 1255, apenas dois anos após a sua morte, pelo Papa Alexandre IV, que reconheceu oficialmente este milagre entre as provas da sua santidade.
O episódio da defesa de São Damião é recordado todos os anos na festa de Santa Clara, celebrada a 11 de agosto, e também nas comemorações locais em Assis, quando o ostensório é levado em procissão.
Conclusão
O Milagre Eucarístico de Santa Clara de Assis permanece um testemunho luminoso do poder da fé e da presença real de Jesus na Eucaristia. Num tempo em que muitos buscam segurança em forças humanas, Clara recorda-nos que o verdadeiro escudo do cristão é Cristo vivo no altar.
Como ela mesma acreditava,
“Se tiveres o Senhor contigo, não temerás nenhum inimigo.”
Já fui atendida por duas vezes pelos pedidos que fiz a esta santa.