Neste dia, em 1964, Paulo VI proclamava Maria como “Mãe da Igreja”

A devoção a Maria como Mãe da Igreja é uma das expressões mais profundas e teologicamente ricas do amor da Igreja à Virgem Santíssima. Embora a ideia de Maria como Mãe de todos os cristãos remonte às origens do cristianismo, foi o Papa Paulo VI, em 1964, quem a proclamou oficialmente como “Mãe da Igreja”.

Décadas mais tarde, em 2018, o Papa Francisco determinou que essa verdade de fé fosse celebrada liturgicamente em toda a Igreja universal, inscrevendo a Memória da Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe da Igreja no Calendário Romano Geral.

Este gesto uniu história, doutrina e piedade, reconhecendo na Virgem Maria o modelo e a mãe espiritual de todos os discípulos de Cristo.

As origens do título “Mãe da Igreja”

A designação “Mãe da Igreja” (Mater Ecclesiae) tem raízes muito antigas. Desde os primeiros séculos, os Padres da Igreja já chamavam Maria de “Nova Eva”, aquela que, ao lado do “Novo Adão” — Cristo —, cooperou na redenção da humanidade.

Santo Ambrósio de Milão (séc. IV) escrevia que Maria “é mãe dos membros de Cristo, porque cooperou com o seu amor para que nascessem na Igreja os fiéis”. Esta visão foi depois retomada por Santo Agostinho e outros doutores, que viam em Maria a mãe espiritual de todos os redimidos.

A base bíblica dessa maternidade encontra-se nas palavras de Jesus na cruz:

“Mulher, eis o teu filho.” Depois disse ao discípulo: “Eis a tua mãe.” (Jo 19,26-27)

A tradição sempre entendeu que, naquele momento, Jesus confiava não apenas o apóstolo João, mas toda a Igreja aos cuidados maternos de Maria.

O Concílio Vaticano II e o papel de Maria

Durante o Concílio Vaticano II (1962–1965), a Igreja procurou renovar a sua autocompreensão e aprofundar a sua relação com a Virgem Maria.
A questão mariana foi amplamente debatida: alguns padres conciliares defendiam que fosse publicado um documento separado sobre Maria, enquanto outros preferiam integrá-la no contexto mais amplo da Igreja.

Prevaleceu a segunda posição, e assim nasceu o Capítulo VIII da Constituição Dogmática Lumen Gentium, intitulado “A Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, no mistério de Cristo e da Igreja”.
Este texto é hoje uma das mais belas sínteses do ensinamento mariano da Igreja, descrevendo Maria como modelo de fé, imagem e princípio da própria Igreja.

Foi precisamente no encerramento da terceira sessão do Concílio Vaticano II, a 21 de novembro de 1964, que o Papa Paulo VI quis dar um passo mais solene.

Paulo VI proclama Maria “Mãe da Igreja” (21 de novembro de 1964)

Na presença dos padres conciliares reunidos na Basílica de São Pedro, o Papa Paulo VI proclamou oficialmente Maria como “Mãe da Igreja”, um título que resume a sua missão maternal para com todos os fiéis.

Na sua declaração, o Santo Padre afirmou:

“Para glória da Virgem e para o nosso consolo, proclamamos Maria Santíssima Mãe da Igreja, isto é, de todo o povo cristão, tanto dos fiéis como dos pastores, que a chamam Mãe amantíssima; e estabelecemos que, com este dulcíssimo título, todo o povo cristão se dirija ainda mais a ela e a invoque.”

Esta proclamação não criou um novo dogma, mas confirmou oficialmente uma verdade já vivida e professada pela Igreja.

Paulo VI também quis que o título “Mater Ecclesiae” fosse visualmente perpetuado no Vaticano.
Em 1965, foi colocada na Praça de São Pedro uma imagem de Maria Mater Ecclesiae, visível numa das janelas da Basílica, e mais tarde, em 1981, o Papa João Paulo II mandou erigir um mosaico com esse mesmo título no exterior da Basílica, em sinal de devoção e de gratidão.

A espiritualidade de Maria como Mãe da Igreja

A maternidade espiritual de Maria é inseparável da sua união com Cristo.
Como Mãe do Redentor, Maria colaborou de modo singular na obra da salvação e, por isso, continua, do Céu, a cuidar da Igreja com amor materno, intercedendo por todos os fiéis.

O Papa São João Paulo II desenvolveu amplamente este tema na sua encíclica Redemptoris Mater (1987), explicando que Maria “permanece presente na Igreja como Mãe, e esta maternidade continua sem interrupção”.

Em março de 2018 o Papa Francisco institui a memória litúrgica universal

A devoção a Maria, Mãe da Igreja, já era celebrada em algumas dioceses e ordens religiosas, mas não constava oficialmente do Calendário Romano Geral.
Foi o Papa Francisco quem, desejando reforçar o vínculo entre Maria e a vida da Igreja, determinou a inclusão desta memória para toda a Igreja universal.

No dia 3 de março de 2018, a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos publicou o Decreto “Ecclesia Mater”, pelo qual o Santo Padre instituiu a Memória obrigatória da Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe da Igreja, a celebrar na segunda-feira depois do Pentecostes.

O Decreto, assinado pelo então prefeito, o Cardeal Robert Sarah, e pelo secretário, o Arcebispo Arthur Roche, explica as razões desta decisão:

“Esta celebração ajudará a recordar que o crescimento da vida cristã deve apoiar-se no mistério da cruz, no dom do Espírito e na maternidade da Virgem.”

A escolha da segunda-feira depois do Pentecostes não foi casual: recorda o momento em que, no Cenáculo, Maria estava reunida com os Apóstolos, orando pela vinda do Espírito Santo, início visível da Igreja (cf. At 1,14).
Assim, a nova memória une Pentecostes — nascimento da Igreja — à maternidade espiritual de Maria.

O significado da celebração litúrgica

A liturgia da Memória de Maria, Mãe da Igreja, propõe leituras e orações centradas na maternidade espiritual da Virgem e na sua presença junto da Igreja nascente.
As leituras incluem passagens do Evangelho de João (19,25-34) — com as palavras de Jesus na cruz — e dos Atos dos Apóstolos (1,12-14), onde Maria aparece entre os discípulos após a Ascensão.

O prefácio próprio recorda que “a Virgem Santa, Mãe de Cristo e Mãe da Igreja, com amor cuida dos irmãos do seu Filho, que ainda peregrinam e se debatem em perigos e angústias”.

A celebração é, portanto, um convite à confiança na intercessão materna de Maria, à unidade da Igreja e à abertura ao Espírito Santo.

Maria, Mãe da Igreja: atualidade e significado espiritual

Na sua simplicidade, esta memória litúrgica recorda uma verdade essencial: a Igreja é uma família, e Maria é a sua Mãe.
Em tempos de divisões, desafios e mudanças, o Papa Francisco quis colocar novamente a Igreja sob o manto materno da Virgem, confiando-lhe os seus filhos e filhas espalhados pelo mundo.

Durante a homilia da primeira celebração desta memória, o Papa afirmou:
“Maria dá à luz o seu primeiro filho, Jesus, e continua a dar à luz os seus filhos, o corpo de Cristo, que é a Igreja. Sem Maria, não se pode entender a Igreja.”

Hoje, em todas as dioceses do mundo, a segunda-feira depois do Pentecostes é um dia especial de oração e de agradecimento a Maria, a Mãe que vela, protege e guia o Povo de Deus no caminho da fé.

Conclusão

Da proclamação de Paulo VI em 1964 à instituição da memória universal por Francisco em 2018, a Igreja reafirma que Maria não é apenas a Mãe de Jesus, mas a Mãe de todos os fiéis.
Sob o seu olhar materno, a Igreja encontra consolo, orientação e unidade.

“A Igreja, olhando para Maria, reconhece nela a figura e a realização mais perfeita do seu próprio mistério.”
(Lumen Gentium, 63)

Que a Mãe da Igreja continue a guiar-nos, como guiou os Apóstolos no Cenáculo, para uma fé viva, fraterna e fiel ao Evangelho.

Partilha esta publicação:

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *