As catacumbas de Roma constituem um dos mais preciosos tesouros arqueológicos e espirituais do cristianismo primitivo. Escavadas a partir do século II, estes cemitérios subterrâneos guardam não só os restos mortais de inúmeros mártires e santos, mas também testemunhos únicos da fé e da vida das primeiras comunidades cristãs. Entre os muitos momentos marcantes ligados às catacumbas, destaca-se a visita do Papa Pio IX, que não só reforçou o interesse da Igreja nestes lugares santos como também lhes conferiu um novo protagonismo na vida e identidade católica.
O que são as catacumbas
As catacumbas são cidades subterrâneas de sepulturas, escavadas em tufo (rocha vulcânica macia da região romana), compostas por longos corredores (chamados ambulacra) e câmaras funerárias.
Serviam como cemitérios comunitários, sobretudo para os cristãos, numa época em que a posse de terrenos dentro de Roma era cara e limitada. Começaram a ser utilizadas no século II e permaneceram ativas até ao século V.
Estima-se que existam cerca de 60 catacumbas em Roma, com mais de 600 km de galerias subterrâneas.
Função e significado para os primeiros cristãos
Apesar de populares lendas, os cristãos não usavam as catacumbas como esconderijos permanentes durante perseguições. A sua principal função era sepultar os mortos de maneira digna, de acordo com a fé na ressurreição.
Ali repousam papas, mártires, bispos e fiéis comuns. Foram também decoradas com frescos, símbolos e inscrições que exprimem a fé cristã primitiva: imagens do Bom Pastor, do peixe (Ichthys), da âncora (esperança) e da Eucaristia.
As catacumbas tornaram-se assim lugares de memória e veneração dos mártires, o que lhes deu enorme importância para a identidade cristã.
Redescoberta na Idade Moderna
Com o fim do uso das catacumbas no século V, muitos acessos caíram no esquecimento. Durante a Idade Média, apenas alguns locais permaneceram conhecidos, sobretudo ligados a mártires célebres.
No século XVI, o arqueólogo e estudioso Antonio Bosio iniciou a exploração sistemática das catacumbas, sendo apelidado de o “Colombo da Roma Subterrânea”. A 31 de maio de 1578, trabalhadores da Via Salaria Nuova encontraram uma dessas catacumbas enquanto escavavam uma pedra vulcânica conhecida como puzolana. Esta descoberta revelou sarcófagos, inscrições e pinturas de cenas do Antigo e do Novo Testamento. As primeiras descobertas foram as catacumbas de Priscila, Valentim, Pedro, Marcelino e Calixto.
No século XIX, com o impulso de eruditos como o padre jesuíta Giovanni Battista de Rossi, os estudos ganharam novo fôlego, revelando a riqueza arqueológica e espiritual destes locais.
Em 1849, ao examinar um vinhedo na Via Ápia, De Rossi encontrou uma placa de mármore com a inscrição incompleta “NELIUS MARTYR”. De Rossi concluiu que a placa se referia ao papa são Cornélio, que morreu como mártir em 253.
Foi neste contexto que se insere a visita do Papa Pio IX.
A visita do Papa Pio IX (1854)
O Papa Pio IX (1846–1878), conhecido por ter promulgado o dogma da Imaculada Conceição (1854) e por ter convocado o Concílio Vaticano I (1869–1870), foi o primeiro pontífice em séculos a visitar formalmente as catacumbas.
O contexto
Ao saber da descoberta, o papa Pio IX visitou as catacumbas a 11 de maio de 1854. Ao chegar, perguntou a De Rossi: “Então, estas são realmente as lápides dos primeiros sucessores de Pedro, as tumbas dos meus predecessores que agora descansam aqui?“. De Rossi conta nas suas memórias que o papa foi às lágrimas e caiu de joelhos para rezar.
As catacumbas, com o seu simbolismo ligado à fé primitiva e à veneração mariana presente em frescos antigos, eram vistas como lugares ideais para reforçar a ligação entre as origens do cristianismo e a Igreja contemporânea.
A visita em si
Pio IX visitou as Catacumbas de São Calisto e outras áreas escavadas recentemente. Rezou diante dos túmulos dos mártires, reforçando a devoção aos primeiros cristãos como modelo de fé e perseverança.
Durante esta visita, segundo relatos, ficou profundamente emocionado ao ver a simplicidade e a força testemunhal das inscrições e imagens cristãs.
A consequência mais marcante
O Papa ordenou que se celebrasse uma Missa solene no interior das catacumbas, um gesto simbólico que evocava a continuidade da Igreja desde os tempos da perseguição até ao século XIX. Esta celebração despertou enorme interesse no mundo católico, dando início a um novo movimento de peregrinação às catacumbas.
Impacto da visita de Pio IX
A presença do Papa nas catacumbas teve efeitos duradouros:
- Ressurgimento da devoção: fiéis de toda a Europa começaram a visitar as catacumbas, tornando-as locais de peregrinação.
- Impulso às pesquisas arqueológicas: a Santa Sé apoiou fortemente o trabalho de De Rossi, considerado o fundador da arqueologia cristã científica.
- Valorização do culto aos mártires: a Igreja reforçou o elo espiritual com os primeiros cristãos, num século marcado por perseguições anticlericais em vários países europeus.
As catacumbas hoje
Atualmente, as catacumbas de Roma estão sob os cuidados da Pontifícia Comissão de Arqueologia Sacra e abertas à visitação guiada.
Entre as mais conhecidas estão as de São Calixto, Domitila, Priscila e São Sebastião. Continuam a ser locais de peregrinação, oração e estudo arqueológico. Representam um testemunho da fé cristã, mas também um património histórico e cultural da humanidade.
Conclusão
As catacumbas de Roma são um elo direto entre a fé dos primeiros cristãos e a Igreja atual. Ao visitá-las em 1854, o Papa Pio IX não apenas recuperou a memória das origens, mas também deu às catacumbas um novo lugar na vida espiritual da Igreja. A partir desse gesto, os túmulos silenciosos dos mártires tornaram-se novamente lugares de peregrinação, oração e identidade católica, um testemunho de fé que continua a inspirar o mundo.