A vida de São Francisco de Assis (1181/1182–1226) deixou uma marca indelével na história da Igreja e da humanidade. Conhecido como o Poverello d’Assisi, ele viveu em pobreza radical, dedicou-se à pregação, ao cuidado dos pobres e à reconciliação dos homens com Deus e com a criação. A sua morte, sepultura e a posterior descoberta dos seus restos mortais são acontecimentos que atravessaram os séculos, envoltos em devoção, mistério e solenidade, e continuam a atrair peregrinos de todo o mundo.
A morte de São Francisco
Francisco morreu no dia 3 de outubro de 1226, aos 44 anos, no eremitério da Porciúncula, em Santa Maria dos Anjos, nos arredores de Assis. Gravemente doente e quase cego, pediu para ser deitado nu sobre a terra nua, como sinal da sua união com Cristo pobre e crucificado. Na noite da sua partida, rodeado pelos primeiros irmãos, recitou o Salmo 141 e despediu-se agradecendo a Deus pelo dom da vida.
A sua morte foi imediatamente considerada um acontecimento de santidade. Dois anos depois, em 1228, o Papa Gregório IX canonizou-o solenemente, reconhecendo nele o modelo perfeito da vida cristã.
A primeira sepultura e o temor de profanação
Após a sua morte, Francisco foi sepultado na igreja de São Jorge, em Assis, onde já repousava o corpo de Santa Clara até à construção da sua própria basílica. Contudo, dada a rápida difusão da sua fama de santidade e os inúmeros milagres atribuídos à sua intercessão, temia-se que o corpo pudesse ser alvo de roubo ou profanação por parte de cidades vizinhas, desejosas de possuir tão preciosa relíquia.
Por essa razão, em 1230, o Papa Gregório IX ordenou a construção de uma grande basílica em Assis, a Basílica de São Francisco, destinada a acolher o corpo do santo.
A trasladação para a Basílica de São Francisco
No dia 25 de maio de 1230, apenas quatro anos após a sua morte, os restos mortais de São Francisco foram trasladados solenemente para a nova basílica. A multidão acompanhou em procissão o féretro, mas, uma vez chegado ao local, os frades franciscanos decidiram ocultar a sepultura para proteger os restos mortais de eventuais roubos.
O corpo foi colocado numa cripta secreta, profundamente escondida sob o altar da basílica inferior, e a entrada foi selada com grandes blocos de pedra. Durante séculos, ninguém sabia o local exato onde repousava o santo, exceto um reduzido grupo de frades responsáveis pela custódia da memória.
Séculos de mistério e devoção
Durante mais de seis séculos, o corpo de São Francisco permaneceu escondido, alimentando o mistério em torno da sua sepultura. A basílica tornou-se, entretanto, um dos maiores centros de peregrinação da cristandade, com fiéis que vinham de toda a Europa para rezar diante do altar, sabendo que, algures debaixo dele, repousava o corpo do santo.
A redescoberta do túmulo em 1818
Foi apenas em 12 de dezembro de 1818, por ordem do Papa Pio VII, que começaram as escavações oficiais para localizar a sepultura de São Francisco. A iniciativa surgiu num contexto em que se desejava confirmar e valorizar a autenticidade das relíquias do santo, sobretudo após séculos de incerteza.
As escavações foram dirigidas pelo padre Antonio di Costanzi e, após semanas de trabalhos minuciosos, no dia 12 de dezembro de 1818, foi encontrado um sarcófago de pedra de forma tosca, contendo restos mortais em bom estado de conservação, apesar da idade.
A descoberta foi recebida com enorme entusiasmo pela Igreja e pelos fiéis. O túmulo foi aberto diante de autoridades religiosas e civis, e o esqueleto identificado como sendo de São Francisco.
A nova cripta e as verificações sucessivas
Após a descoberta, o Papa Pio VII mandou construir uma nova cripta sob a Basílica de São Francisco, de modo a tornar visível e acessível o túmulo do santo aos peregrinos. Em 1822, os restos mortais foram colocados na cripta, onde permanecem até hoje.
No século XX, verificações científicas adicionais foram realizadas. Em 1939, quando São Francisco foi proclamado padroeiro de Itália pelo Papa Pio XII, o túmulo foi novamente aberto, e os restos mortais foram examinados por peritos, confirmando a sua autenticidade.
Em 1954, foram realizadas novas investigações que permitiram confirmar o estado dos ossos, já bastante deteriorados, mas preservados de modo suficiente para garantir a sua identidade.
O estado atual e a veneração
Hoje, os restos mortais de São Francisco encontram-se na cripta da Basílica de São Francisco, em Assis, visíveis aos peregrinos através de uma arca de pedra protegida por grades de ferro. O espaço é sóbrio e recolhido, em consonância com a espiritualidade do santo da pobreza.
Milhares de peregrinos visitam anualmente o local, transformando-o num dos pontos mais importantes de devoção da cristandade, ao lado de Roma, Lourdes ou Fátima.
Conclusão
A história dos restos mortais de São Francisco de Assis é marcada por mistério, proteção e redescoberta. Desde a sua morte em 1226, a preocupação em salvaguardar o corpo do santo reflete a devoção e o carinho que sempre inspirou. A descoberta em 1818 permitiu renovar a ligação dos fiéis ao poverello, cuja mensagem de pobreza, fraternidade e paz continua viva.
Hoje, diante da sua sepultura em Assis, milhões de peregrinos encontram não apenas a memória de um homem santo, mas também um convite à simplicidade e ao Evangelho vivido com radicalidade.