Durante os anos sangrentos da Revolução Francesa, quando a fé católica era violentamente perseguida e os símbolos religiosos eram destruídos ou profanados, um grupo de dezasseis religiosas carmelitas ofereceu as suas vidas como sacrifício de expiação e amor. São conhecidas como as Beatas Mártires de Compiègne, e foram guilhotinadas em Paris a 17 de Julho de 1794, no auge do chamado “Período do Terror”.
O seu exemplo de coragem, serenidade e fidelidade tornou-se um dos mais belos testemunhos de santidade na história da Igreja.
O contexto histórico: a Revolução contra a Igreja
A Revolução Francesa, que começou em 1789, visava destruir não apenas as estruturas políticas e sociais do Antigo Regime, mas também desarraigar a influência da Igreja Católica da vida pública e espiritual do povo francês. Em 1790, foi promulgada a Constituição Civil do Clero, que obrigava todos os religiosos e religiosas a jurar fidelidade ao novo governo revolucionário — algo que muitos, por fidelidade a Roma, se recusaram a fazer.
As ordens religiosas foram dissolvidas, os conventos fechados, e os votos religiosos declarados ilegais. A perseguição tornou-se intensa, especialmente durante os anos de 1793-1794, sob o governo de Robespierre e dos jacobinos.
As carmelitas de Compiègne
O Carmelo de Compiègne, situado a cerca de 80 km de Paris, era uma comunidade de carmelitas descalças fiéis à regra reformada por Santa Teresa de Ávila. Era composto por 16 mulheres: 11 freiras de votos perpétuos, 3 irmãs leigas e 2 noviços. Entre elas estavam religiosas de diferentes idades e origens sociais, unidas pela mesma entrega total a Deus na vida de clausura.
Quando a sua comunidade foi obrigada a abandonar o convento, em Setembro de 1792, decidiram continuar a viver a sua vocação na clandestinidade, dividindo-se em pequenos grupos em casas de simpatizantes, e mantendo discretamente os seus momentos de oração comunitária.
A consagração ao martírio
Inspiradas pela espiritualidade do Carmelo e profundamente conscientes da gravidade dos tempos que viviam, as carmelitas decidiram oferecer-se a Deus como vítimas de expiação pela paz em França e pela salvação da Igreja. A Madre Teresa de São Agostinho, superiora do grupo, guiou espiritualmente esta entrega, que foi feita de forma livre e deliberada, como um acto de amor.
Segundo relatos posteriores, as irmãs rezavam juntas diariamente uma oração de consagração em que ofereciam as suas vidas em sacrifício. Era uma espiritualidade profundamente enraizada na confiança no Coração de Jesus e na intercessão de Maria.
A prisão e o julgamento
Em Junho de 1794, as autoridades descobriram os encontros secretos das carmelitas e prenderam-nas. Foram encarceradas no Convento das Visitandinas, em Compiègne, que tinha sido transformado numa prisão.
No dia 17 de Julho de 1794, foram levadas para Paris e submetidas a um julgamento sumário por um tribunal revolucionário, que as acusou de fanatismo religioso, conspiração contra a República e de manter práticas supersticiosas. O facto de conservarem objetos religiosos e manterem vida comunitária em segredo bastou para as condenar à pena de morte por guilhotina.
O martírio em Paris
Naquele dia, foram levadas para a Praça da Nação (então chamada Praça do Trono Renversado). O que se seguiu foi um dos momentos mais comoventes da história dos mártires cristãos.
Segundo testemunhas, as irmãs subiram uma a uma ao cadafalso, cantando salmos, o “Veni Creator Spiritus”, e o “Salve Regina”, enquanto os presentes olhavam em silêncio ou em lágrimas. A Madre Teresa de São Agostinho foi a última a morrer, após ter encorajado cada uma das suas filhas espirituais com palavras de esperança.
Este acto de fé, serenidade e amor diante da morte causou enorme impacto, mesmo entre os revolucionários. Apenas dez dias depois, a 27 de Julho de 1794, Robespierre foi deposto e executado, marcando o fim do “Terror”.
Beatificação e legado
As carmelitas de Compiègne foram beatificadas a 27 de Maio de 1906 pelo Papa São Pio X, reconhecendo o seu martírio como verdadeiro acto de fé e caridade.
A sua história inspirou obras literárias e musicais, como a ópera “Diálogo das Carmelitas”, de Francis Poulenc, baseada na peça de Georges Bernanos. A sua memória continua a ser celebrada no Carmelo e em muitos movimentos que promovem a oração e o sacrifício pela paz e pela Igreja.
A sua festa litúrgica é celebrada no dia 17 de Julho.
Um testemunho para o nosso tempo
As Beatas Mártires de Compiègne ensinam-nos que a santidade não depende das circunstâncias externas, mas da fidelidade interior. Num tempo de perseguição, escolheram viver o Evangelho com radicalidade, entregando-se por amor a Deus e à Igreja. O seu martírio não foi apenas um fim trágico, mas o cume de uma vida de total entrega.
O seu testemunho é particularmente relevante hoje, quando a fé cristã volta a ser marginalizada ou mesmo atacada em várias partes do mundo. Elas lembram-nos que a oração, a fidelidade e a coragem podem transformar a história — mesmo silenciosamente, como numa cela de clausura.