Na longa história da Igreja Católica, com mais de dois mil anos e quase trezentos papas, apenas um foi de origem portuguesa: João XXI. A sua eleição em 1276 permanece um marco de orgulho nacional e de curiosidade histórica, já que este pontífice foi não apenas um homem de fé, mas também um médico, filósofo e intelectual de grande renome na sua época.
Origem e formação
João XXI nasceu em Lisboa, por volta de 1215, com o nome de Pedro Julião (ou Pedro Hispano). Filho de uma família modesta, cedo revelou uma inteligência notável. Estudou em Lisboa e depois em Paris, onde se dedicou às ciências naturais, filosofia, teologia e sobretudo à medicina. A sua vasta cultura valeu-lhe grande prestígio na Europa medieval, tornando-se conhecido como Pedro Hispano, nome que assina as suas obras científicas.
Foi médico, professor universitário e autor de tratados médicos que circularam amplamente nas universidades da época, sendo algumas das suas obras usadas até ao século XVII. Entre elas destaca-se o famoso “Summulae Logicales”, manual de lógica que marcou a escolástica medieval.
A carreira eclesiástica
Apesar do prestígio académico, Pedro Julião não se afastou da vida eclesial. Foi arcediago em Lisboa, depois bispo de Braga e mais tarde cardeal-bispo de Tusculum (actual Frascati), em Itália. A sua vida espiritual e pastoral acompanhava o seu gosto pelo estudo e pela ciência, o que o tornou uma figura respeitada tanto no mundo académico como no eclesiástico.
A eleição como Papa João XXI
Em 8 de Setembro de 1276, após a morte de Adriano V, o colégio dos cardeais reuniu-se em Viterbo e elegeu Pedro Julião como papa, que tomou o nome de João XXI. Curiosamente, a escolha do número “XXI” deve-se a um erro de contagem histórica, pois não existira um João XX.
A sua eleição foi recebida com grande expectativa, dado o seu perfil de homem sábio, diplomata e conhecedor profundo da realidade europeia.
O breve pontificado
O pontificado de João XXI foi um dos mais curtos da história, durando pouco mais de oito meses (de Setembro de 1276 a Maio de 1277). Apesar disso, deixou marcas significativas:
- Defendeu a paz entre os reinos cristãos da Península Ibérica, procurando conciliar os conflitos entre Portugal, Castela e Aragão.
- Incentivou a reconciliação entre cristãos e ortodoxos, dando continuidade às tentativas de união com a Igreja do Oriente após o II Concílio de Lyon (1274).
- Promoveu o estudo e a vida intelectual dentro da Igreja, fruto da sua própria paixão pelas ciências e pela filosofia.
Infelizmente, a sua missão foi interrompida de forma trágica. João XXI morreu em 20 de Maio de 1277, vítima do desabamento do tecto do palácio pontifício de Viterbo, onde residia. A morte súbita e inesperada encerrou prematuramente um pontificado que prometia deixar maior impacto.
João XXI: papa, médico e homem de ciência
O único papa português é lembrado não só pela sua eleição, mas também pelo seu contributo como homem de ciência. Foi um dos raros papas com sólida formação médica e científica, demonstrando que fé e razão não são realidades opostas, mas complementares.
A sua obra, particularmente no campo da lógica e da medicina, tornou-se referência nas universidades medievais, onde Pedro Hispano foi nome incontornável durante séculos. Esta herança intelectual dá ao seu pontificado um brilho especial, mostrando que a Igreja sempre valorizou a sabedoria humana como dom de Deus.
Legado e memória
O pontificado de João XXI foi breve, mas o seu nome permanece na história como o único papa português. Em Portugal, é recordado como motivo de orgulho nacional e como sinal da universalidade da Igreja, que escolheu um filho de Lisboa para ocupar a Cátedra de São Pedro.
Ainda hoje, universidades, escolas e instituições ligadas ao pensamento e à ciência recordam Pedro Hispano, o papa-filósofo e papa-médico. A sua figura é exemplo de como a fé cristã pode dialogar com a cultura, a ciência e a razão.
Conclusão
A nomeação de João XXI como papa em 1276 foi um acontecimento marcante não apenas para Portugal, mas para toda a Igreja. O seu testemunho de fé, cultura e dedicação ao conhecimento lembra-nos que o serviço da Igreja é também serviço à verdade e ao bem comum.
Mais de sete séculos depois, a memória de João XXI continua viva, como sinal de esperança e de inspiração para todos os que procuram unir a fé e a razão no seguimento de Cristo.