Neste dia, em 1150, Thierry da Alsácia trazia a ampola com o sangue de Cristo para Bruges

A cidade de Bruges, na Bélgica, alberga uma das relíquias mais veneradas da cristandade ocidental: a relíquia conhecida como Sangue Precioso de Jesus Cristo. Guardada na Basílica do Santo Sangue (Basilica of the Holy Blood), esta relíquia tem sido objeto de devoção, peregrinações e uma procissão anual que remonta ao século XIII.

Origem tradicional da relíquia

A tradição local afirma que a relíquia consiste num frasco ou pequena ampola contendo gotas do sangue de Cristo, recolhidas por José de Arimateia após a Paixão, ou combinadas com água que jorrou do lado de Cristo. Essa tradição, embora não comprovada cientificamente até aos mínimos padrões modernos, foi amplamente difundida na Idade Média e assumiu grande significado devocional.

Thierry de Alsácia (conde de Flandres) teria recebido a relíquia em Jerusalém ou na Terra Santa após a Segunda Cruzada (1147-1149) como presente de Baldwin III de Jerusalém ou em reconhecimento pelos seus serviços e a teria levado para Bruges.

O frasco em que se conserva a relíquia é feito de cristal de rocha provavelmente originário de Constantinopla e datado entre os séculos XI–XII.

Chegada a Bruges e história inicial

A primeira menção documentada concreta da relíquia em Bruges data de 1256, conforme registos municipais. Antes disso, o registo é mais lenda do que documento firme.

A basílica que hoje guarda a relíquia — a Basílica do Santo Sangue — foi construída inicialmente entre 1134-1157 como capela residencial dos condes de Flandres, dedicada a São Basílio. A capela superior, que alberga a relíquia, foi remodelada no século XV no estilo gótico e decorada em estilo neogótico no século XIX.

No ano de 1310, o Papa Clemente V emitiu bula concedendo indulgências aos fiéis que venerassem a relíquia na capela da basílica.

Veneração, irmandades e a procissão anual

Desde o século XIII, a relíquia tem sido objeto de veneração. Em 1291 aparece o registo da primeira procissão da relíquia. Em 1303, a procissão já era considerada evento cívico-religioso oficial da cidade.

A irmandade responsável pela guarda da relíquia é a Noble Brotherhood of the Holy Blood (Irmandade Nobre do Santo Sangue), fundada no século XV (cerca de 1400) com o papel de preservar o relicário e organizar a procissão.

A procissão hoje realiza-se todos os anos no dia de Festa da Ascensão (quinta-feira após o 40.º dia após a Páscoa). Em 2009, foi inscrita pela UNESCO na Lista de Património Cultural Imaterial da Humanidade. A procissão envolve cerca de 1 700-1 800 participantes, encenação de cenas bíblicas, guildas medievais e o transporte do relicário pela cidade.

A relíquia e o relicário actual

O relicário que guarda o frasco da relíquia foi executado pelo ourives Jan Crabbe em 1614 (ou 1617, conforme fontes) em ouro e prata, incrustado de pedras preciosas; está exposto no museu da basílica.

O frasco, selado desde a sua chegada, nunca foi aberto — pelo menos oficialmente — e permanece visível aos fiéis no altar da capela superior. A igreja permite veneração diária para os visitantes.

Críticas históricas e reflexões de fé

Como acontece com muitas relíquias medievais, a autenticidade histórica da relíquia é alvo de ceticismo desde o século XIX. Estudos apontam que o frasco pertence a um vaso de perfume bizantino, de séculos posteriores à Paixão de Cristo.

Porém, a Igreja trata-a como “relíquia”, não como objeto que substitui ou compete com o Mistério Eucarístico. Para fiéis, a veneração está mais centrada no significado espiritual — memória da Paixão de Cristo, convite à conversão, expressão de fé comunitária — do que numa investigação puramente arqueológica.

Importância atual e legado

Hoje, a Basílica do Santo Sangue é uma das principais atrações de Bruges — para peregrinos e turistas — e a procissão anual atrai dezenas de milhares de participantes. Em 2025, por exemplo, mais de 45 000 pessoas estiveram presentes no evento.

A relíquia tornou-se símbolo de identidade para a cidade, de fé vivida e de tradição que une passado medieval ao presente. A devoção ao “Sangue Precioso” inspira reflexão sobre o sacrifício de Cristo e convida à vivência do amor redentor no mundo contemporâneo.

Conclusão

A Relíquia do Sangue Precioso de Bruges é, ao mesmo tempo, mistério e memória. Mistério — porque a sua origem permanece envolta em tradição e incerteza; memória — porque tem sido um sinal tangível da Paixão de Cristo e do encontro dos fiéis com o seu amor. Seja como objeto de contemplação ou como motivo de peregrinação, ela continua a servir à Igreja como “recordação sagrada” das palavras do Evangelho:

O sangue de Cristo nos purifica de todo o pecado.
— (1 Jo 1,7)

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