Entre as relíquias mais singulares e veneradas da cristandade encontra-se o Cinto de Nossa Senhora — também conhecido como Santo Cíngulo ou Cinto de São Tomé. Esta relíquia mariana, profundamente ligada à tradição da Assunção da Virgem Maria, é guardada na cidade italiana de Prato, na Toscana, onde há séculos desperta devoção, fé e peregrinação. A sua história mistura tradição apostólica, arte, milagres e até episódios de roubo e profanação, tornando-a um símbolo único do amor filial entre os cristãos e a Mãe de Deus.
A origem da relíquia segundo a tradição
De acordo com uma antiquíssima tradição cristã, quando a Virgem Maria foi elevada ao Céu em corpo e alma — o mistério da Assunção — o apóstolo São Tomé não estava presente. Assim como acontecera com a Ressurreição de Cristo, também nesta ocasião São Tomé duvidou do acontecimento milagroso.
A tradição conta que, movido pela graça divina, São Tomé teve então uma visão da Virgem Maria que, do alto dos céus, deixou cair o seu cinto (ou faixa de tecido que cingia a túnica), como prova da sua Assunção. Este gesto simbolizava a ligação espiritual e maternal entre Maria e os seus filhos na Terra.
A relíquia, conhecida como o “Cinto de São Tomé” (Sacra Cintola), foi conservada durante séculos no Oriente e venerada como sinal tangível do amor e da pureza de Maria.
A chegada da relíquia a Itália
A tradição indica que o cinto permaneceu em Jerusalém até ao século IV, sendo depois levado para o Oriente bizantino. Segundo as crónicas toscanas, a relíquia chegou a Itália no século XII, trazida por um mercador de Prato chamado Michele Dagomari (ou Michele da Prato).
Conta-se que, durante uma viagem à Terra Santa, Michele se apaixonou pela filha de um sacerdote grego, com quem se casou. Como dote, recebeu da família da esposa o precioso cinto de Nossa Senhora, guardado com grande veneração desde tempos antigos.
De regresso a Prato, Michele guardou o cinto numa arca de madeira, que foi conservada pela sua família até ao momento da sua morte, quando decidiu doá-lo à Igreja de Santo Estêvão (Duomo di Santo Stefano), em Prato, em torno de 1172.
O reconhecimento e a guarda da relíquia
A relíquia foi oficialmente reconhecida e começou a ser venerada publicamente no século XIII. Em 1312, o bispo de Pistoia, Tommaso, autenticou a relíquia e decretou o seu culto oficial. Para garantir a sua segurança, foi construída uma capela especial dentro da Catedral de Prato, a chamada Cappella del Sacro Cingolo, onde o cinto é conservado num relicário de prata e cristal, sob várias chaves.
A devoção popular cresceu rapidamente, e o Cinto de Nossa Senhora tornou-se símbolo da pureza, da maternidade e da proteção divina — particularmente entre as mulheres grávidas, que recorrem à Virgem para pedir proteção durante a gestação e o parto.
A tentativa de roubo da relíquia
Em 1312, pouco depois da confirmação do culto, a relíquia foi alvo de um roubo sacrílego. Um clérigo de nome Giovanni di Ser Landetto, aproveitando a confiança que tinha no santuário, conseguiu abrir o cofre e retirar o cinto.
Contudo, o crime não ficou impune: o ladrão foi rapidamente descoberto e preso, e o cinto foi recuperado, regressando à sua capela com grande solenidade. O episódio reforçou a fama milagrosa da relíquia e inspirou ainda mais veneração entre os fiéis.
Para prevenir novos roubos, foi decidido que o cofre do relicário seria guardado sob três fechaduras diferentes, cujas chaves permaneceriam em poder do bispo, do prior e de um representante da comuna de Prato — um símbolo de união entre a Igreja e o povo.
As exibições públicas e as celebrações anuais
Desde a Idade Média, o Cinto de Nossa Senhora é exibido publicamente cinco vezes por ano, durante festas religiosas e cívicas, um costume que permanece até hoje.
As exibições ocorrem:
- No Domingo de Páscoa;
- No 15 de agosto (Solenidade da Assunção de Maria);
- No 25 de dezembro (Natal);
- No 1 de maio (Festa de São Bento, padroeiro de Prato);
- E especialmente no 8 de setembro, quando tem lugar a “Festa della Sacra Cintola”, a mais solene de todas, com procissões e bênçãos à cidade.
Durante estas cerimónias, o bispo de Prato exibe o cinto da varanda exterior da catedral diante de milhares de fiéis reunidos na Piazza del Duomo, num dos momentos mais emocionantes da vida religiosa local.
A relíquia na arte e na cultura
A devoção ao Cinto de Nossa Senhora inspirou inúmeras obras de arte renascentistas, especialmente na Toscana. Pintores como Agnolo Gaddi, Filippo Lippi, Andrea Orcagna e outros representaram o momento em que a Virgem entrega o cinto a São Tomé.
Estas obras expressam não apenas a beleza teológica do gesto — símbolo de fé e confirmação da Assunção — mas também o enraizamento popular desta crença na cultura italiana.
Significado espiritual da devoção
O Cinto de Nossa Senhora é um símbolo da ligação materna e espiritual entre Maria e os fiéis. Assim como a Virgem entregou o seu cinto a São Tomé para fortalecer a sua fé, também hoje os cristãos veem nesta relíquia um convite à confiança nas promessas de Deus e na intercessão materna de Maria.
A devoção ao Santo Cíngulo recorda ainda a virtude da pureza, a fidelidade e a maternidade espiritual da Virgem, sendo invocado especialmente pelas mulheres grávidas, mães e famílias cristãs.
Conclusão
O Cinto de Nossa Senhora de Prato é mais do que uma relíquia: é um elo entre o céu e a terra, um sinal da presença viva de Maria na história da Igreja. Da sua origem apostólica à sua guarda na catedral de Prato, passando pelo roubo e pelas solenes exibições públicas, esta relíquia permanece um testemunho de fé e amor que atravessa os séculos.
A cada exibição, o povo renova a sua confiança na Virgem, lembrando-se de que Maria, mesmo glorificada no Céu, continua a cingir com o seu amor todos os que recorrem a Ela com coração sincero.