O Santuário de Nossa Senhora da Conceição da Rocha, localizado no vale do Jamor em Linda-a-Pastora, na União de Freguesias de Carnaxide e Queijas, concelho de Oeiras, prepara-se este ano para festejar uma data muito especial, pois o dia 31 de Maio assinalará o segundo centenário da aparição da imagem de Nossa Senhora da Conceição Padroeira de Portugal numa gruta, situada abaixo do respectivo santuário.
A devoção a Nossa Senhora está no mais íntimo da nossa cultura e alma lusitana, Portugal chamou-se desde a sua criação “Terra de Santa Maria”. Os portugueses sempre amaram a Virgem Maria, a começar pelo seu primeiro rei, D. Afonso Henriques, que a elegeu Padroeira do Reino, e D. João IV que a coroou Rainha de Portugal. A devoção a Nossa Senhora da Rocha não foi diferente, pois rapidamente tornou-se num local de peregrinação, algo que foi perdendo fulgor desde o inicio do século, mas que desde há alguns anos atrás está a ser tentado estimular pelas entidades gestoras do local e o município.
História
Tudo começou numa manhã de Domingo, dia 28 de Maio de 1822, quando um pequeno grupo de adolescentes do vale do Jamor deparou-se com um coelho, o qual tentaram apanhar, mas sem sucesso pois a agilidade e rapidez deste roedor permitiu-lhe alcançar uma toca para se esconder. Sem desanimar, os jovens tentaram chegar ao coelho para descobrirem uma gruta ali tão perto e tão bem protegida de silvado e de um emaranhado de salgueiros. Uma vez lá dentro depararam-se, espantados, com uma grande lapa funerária. Com algum receio, os jovens fogem do local, falando do assunto aos seus pais, que não deram grande importância.
No entanto, começaram a surgir boatos e comentários sobre uma gruta desconhecida contendo ossos humanos. Cheios de curiosidade, os jovens acabam por regressar à gruta três dias depois, dia 31 de Maio. Enchendo-se de coragem, e já dentro da gruta, acendem tochas e vislumbram não só algumas ossadas humanas, como também uma pequenina imagem da Virgem, reconhecida como sendo de Nossa Senhora da Conceição, Padroeira de Portugal, ao que o povo acrescentou “da Rocha” por referência ao local. Tomás Ribeiro, o grande impulsionador e defensor da construção de um Santuário para esta imagem – o que então lhe valeu o cognome de Tomás da Aparecida –, relatou assim esta descoberta (escrito no Português da época):
«No dia 28 de maio de 1822, perseguindo um coelho que alli se escondera, entraram na gruta do Jamor percorrendo de rastos a furna por onde elle entrára, sete rapazes que andavam brincando e chapinhando nas margens e nas ilhotas de Jamor. Os seus nomes são: Nicoláo Francisco, Joaquim Nunes, Joaquim Antonio da Silva, Antonio de Carvalho, Diogo, José da Costa e Simão Rodrigues. Os mais novos tinham 11 annos, 15 os mais velhos. Entrando e recuando apavorados, no que levaram longo tempo, conseguiram emfim chegar onde puderam erguer se e respirar. Sondando e apalpando acharam e tomaram nas mãos ossos humanos como poderam verificar quando voltaram ao rio. As familias que ha muito os esperavam em suas cazas não receberam bem os retardatarios e não crêram mesmo na historia phantastica do descobrimento.
No dia seguinte porém começou de levantar-se e avolumar-se nos differentes logares donde eram naturaes os pastoritos, o boato da existencia d’uma gruta desconhecida, e a apresentação dos ossos e a insistencia dos exploradores foi firmando, se não certezas, desejos de apurar a verdade. No dia 30 bastantes pessoas acompanhando os retardatarios da ante-vespera ao rio, abrindo as franças dos salgueiros acharam uma lura na grande rocha que se afundava no Jamor.
Não ousaram porém aventurar-se, os mais prudentes; mandaram entrar os rapazes com ordem de trazerem outros ossos. Era a prova evidente de que elles disseram a verdade. E desde que a conheceram destinaram para o dia 31 procurar com luz que dentro accenderiam, o que podesse achar-se na gruta onde era certo haver estado gente. No dia 31 foram pois, com tochas, para dentro serem accendidas. Entraram na frente os sete moços, lá d’outros acompanhados, e accesa uma tocha, encontraram a pequenina imagem da Virgem.»
Devoção
O nosso país encontrava-se numa situação económica e social grave e havia já várias décadas que se prolongavam os sofrimentos e infortúnios dos portugueses, pelo que, neste contexto, a Imagem de Nossa Senhora aparecida na Gruta da Rocha constituiu um sinal de esperança, aqui crescendo, em número e devoção, as preces dos portugueses à Protectora e Padroeira do Reino. A notícia espalha-se e frei Cláudio da Conceição, cronista do reino e um dos primeiros apologistas da Senhora da Conceição da Rocha, deslocou-se a esta gruta para comprovar o achado, tendo então constatado o misterioso desaparecimento da citada imagem no dia seguinte à sua descoberta. Esta viria a ser posteriormente encontrada a 4 de Junho sobre uma oliveira, perto da gruta de origem, na qual foi reposta pelas forças da autoridade que aí ficaram de guarda sob a ordem do Juiz de Fora de Oeiras, após grande tumulto popular.
O achado desta pequena imagem de barro da Virgem Maria é rapidamente divulgado por todo o Jamor e regiões vizinhas e, rapidamente, este local transforma-se num lugar peregrinação e de grande devoção mariana por parte de populares vindos da região de Lisboa e de outras partes do país, entre os quais religiosos e nobres da corte. A pobre oliveira que acolhera a Virgem após o seu misterioso desaparecimento acaba reduzida a pequenas relíquias de devoção, com o povo a levar os “seus ramos e, acabados estes, entraram pelos troncos, e depois até as mesmas raízes lhe tiraram, para que só por tradição se pode dizer aqui é que estava, a oliveira, onde se achou a Senhora depois de roubada.“
As constantes e numerosas romarias e peregrinações ao local levantaram a necessidade de edificar no local um pequeno santuário para acolher as muitas oferendas e proteger a Senhora. Assim começava a desenhar-se um grande movimento de adoração mariana que, a não ter sido interrompido por imperativos políticos, poderia ter dado origem a um fenómeno religioso maior do que o surgido em Fátima, até pela sua proximidade geográfica com a capital.
Intersecção em curas
A história da imagem aparecida no Jamor é por demais conhecida, assim como a devoção a este culto por parte da rainha D. Carlota Joaquina que, aparentemente, tinha um problema de saúde, o qual, supostamente, terá sido curado por intersecção desta imagem, e do seu filho D. Miguel, que após ter sofrido um grave acidente relacionou a sua recuperação com a devoção à imagem da Virgem. Mais tarde a rainha consorte D. Maria Pia viria igualmente a recorrer às preces à Senhora da Rocha quando se encontrava doente.
Ida da imagem para a Sé de Lisboa
Para tornar o local mais acolhedor e proteger a imagem, muitos põem as mãos à obra e fazem uma porta com grades de ferro e um portal de pedra de lioz para a gruta, e constroem uma muralha para impedir que as águas do rio invadissem a gruta. No entanto, pouco tempo depois, a 27 de Julho de 1822, o rei D. João VI manda retirar a imagem da gruta para ser recolhida na Sé de Lisboa, local considerado mais condigno e solene de acordo com as proporções que o seu culto tomava. Foi dito na época que esta decisão visava diminuir ou mesmo extinguir o culto, e esperava-se muito tumulto aquando da remoção da imagem, com o rei a mandar tropa armada para o local.
Como consequência destas ordens, ao amanhecer do dia 5 de Agosto de 1822, festa da Senhora das Neves, a imagem da Senhora é transportada com as maiores honrarias para a Catedral de Lisboa. Tudo decorre sem qualquer tumulto ou desordem, facto que comprovava a “protecção da Senhora da Rocha para com o lugar de Carnaxide, que já não he de menor consideração, entre as principaes terras de Portugal, porque alli appareceo a milagrosa Imagem da Senhora da Conceição da Rocha, que veio livrar este Reino do captiveiro dos ímpios, bem como a terra de Belém de Judá o não foi entre as principaes Cidades, por ter sahido della o conductor que havia de commandar o povo de Israel.“
A imagem da Senhora chega ao Terreiro do Paço às nove da manhã. A Senhora é desembarcada no cais das Colunas, e, na grande Praça do Terreiro do Paço, aglutinavam-se todas as Comunidades das Ordens Religiosas. Imediatamente formou-se a mais vistosa procissão com a Senhora embutida num Relicário, mandado fazer para o efeito. Chegando a Senhora à Sé, esta foi colocada no Altar da Senhora a Grande, que lhe estava ricamente preparado. Deu-se inicio à missa, e, no fim, o Cónego celebrante deu a Senhora a beijar, com o povo a oferecer-lhe generosos donativos.
Regresso a Carnaxide
Apesar desta mudança para a Sé de Lisboa, nunca o povo abandonou a veneração da gruta onde foi achada a venerada imagem e onde um registo evocativo do seu achamento era alvo da permanente queima de velas e de orações pedindo-lhe graças, assim como a protecção de Portugal. A persistência do culto neste local acabou por levar, por ordem do governo liberal, à obstrução da sua entrada.
Mas, após 61 anos na Sé de Lisboa, por iniciativa de Tomás Ribeiro, mais concretamente a 30 de Agosto de 1883, a imagem é transladada para a Igreja de São Romão de Carnaxide. A trasladação fez-se com grande cerimonia, com a imagem a ser levada daí em procissão com grande pompa e festejos até ao local da aparição, para ai ser recebida pelo rei. Foram três dias de festejos, de tal forma importantes que todo o recinto foi iluminado por luz eléctrica, segundo os registos e notícias da época, algo que era uma novidade. Após estes festejos seguiu para a Igreja de S. Romão de Carnaxide, onde esteve 10 anos.
Ida para o Santuário
Cerca de sete décadas após o seu achamento, a imagem acabou por regressar ao então inóspito vale da Ribeira do Jamor para aí ser instalada num santuário edificado por cima da gruta da Rocha. O santuário, cujo projecto é da autoria do arquitecto José da Costa Sequeira, sobrinho do grande pintor Domingos António de Sequeira, foi edificado entre 1830 e 1892, tendo sido inaugurado em 1893, que contou com a presença da rainha D. Amélia e dos príncipes D. Luís Filipe e D. Manuel.
A imagem é, finalmente, transladada a 1 de Setembro de 1892 para o Santuário de Nossa Senhora da Rocha no vale do Jamor, sendo colocada no altar-mor que se situa por cima da gruta onde foi encontrada. O local é declarado “Capela Real” em Outubro de 1899, e torna-se, à época, um dos locais da maior devoção popular no patriarcado de Lisboa.
A Irmandade
A Irmandade de Nossa Senhora da Conceição da Rocha foi criada a 23 de Setembro de 1883, aquando da trasladação da imagem para Carnaxide.
A 4 de Outubro de 1899, quando o Santuário é declarado “Capella Real” “isento” e “especial dos Régios Paços”, o rei fica como Juiz Perpétuo desta irmandade, que se passa a denominar “Real Irmandade de Nossa Senhora da Conceição da Rocha”, sendo, actualmente, a responsável pelo património local.
Tomás Ribeiro
O popular escritor foi o grande mentor do Santuário da Rocha e o grande obreiro do seu regresso ao local original do achamento e construção de um local digno para o seu culto. Não é sem razão que, no final dos seus dias, resolve compor um poema dedicando-o e consagrando-o à Senhora da Rocha, como um dos seus “grandes amores”:
«A Rocha vive entre os meus grandes amores. Esta devoção que se esconde aqui no fundo d’esta concha florida e esmaltada, na sua ermida singella e cariciosa, com a sua fonte crystalina, a sua gruta mysteriosa, o seu rio murmuro e transparente, o seu jardim que ajudei a cultivar, onde tantas vezes passee, longe do bulício das multidões, conversando com o jardineiro e com as flores, sondando os segredos d’aquelle morto guardado pela imagem da Virgem Mãe, longe d’olhos que me não espreitassem rindo, levo eu no coração. Quero-lhe consagrar este trecho do livro onde porei as minhas ultimas tintas e praza a Deus possa terminal’o.
Á Senhora da Rocha consagro estes versos.
É pouquissimo o que lhe offerto, mas é grande a devoção com que deponho sobre o seu altar a minha offerenda.
Esta devoção é por demais conhecida. Até já me chamaram… por divertimento o Thomaz da Apparecida.
Aproveito o ensejo para agradecer a graça, que não podia acceitar. Em primeiro logar por indigno d’ella; dpois, por não reconhecer, – que m’o perdoem! – auctoridade, nos outhorgantes ou conferentes do titulo. E d’alguns d’elles sou e quero ser amigo.
[…] Sob a presidencia de Fontes Pereira de Melo, o meu saudosissimo amigo, e na companhia de Julio Marques de Vilhena, Ernesto Rodolpho Hintze Ribeiro, João d’Andrade Corvo, José Vicente Barboza de Bocage (ministros) ajudei a cumprir a palavra de Rei dada pelo Senhor D. Pedro V pouco antes de morrer. E foi com devoto ardor que trabalhei no pagamento d’essa dívida sagrada. D’isto faço confissão publica.
[…] Aceite-me a irmandade da Rocha esta oblata. D’um poema que trago entre mãos destaco este excerpto para d’elle dar uma edição especial á Senhora que ajudei a transportar da casa onde se hospedara, – a Sé de Lisboa, – para a sua ermida de Carnaxide.
[…] Há outro nome que não devo aqui deixar esquecido: o do Senhor D. Luiz I. A Elle em grande parte foi devida a restituição da veneranda Imagem, por isso a Irmandade manda celebrar missa por sua alma no dia 19 de Outubro de cada anno, anniversario da sua morte.»
Actualidade
Com o passar dos anos, com o desaparecimento das gerações que estiveram ligadas a estes acontecimentos ou que deles ainda conservavam memória, foi-se atenuando o fervor popular. O golpe final dá-se perante o fenómeno da Cova de Iria, o qual por sua vez já beneficiou dos modernos e poderosos meios de comunicação social que muito contribuíram para a sua amplificação.
Actualmente a imagem encontra-se exposta na zona do altar-mor do Santuário. A gruta, que se encontra por debaixo do Santuário, está aberta ao público durante as festividades anuais, fazendo-se a entrada por uma modesta porta lateral. O Santuário da Rocha é um dos santuários marianos mais visitados da região de Lisboa e todos anos, em Maio, organiza festejos comemorativos da aparição, onde acorrem muitos devotos e visitantes.
Festas em honra de Nossa Senhora da Conceição da Rocha
Com mais de um século de existência, as Festas de Nossa Senhora da Conceição da Rocha são as mais antigas desta região dos arredores de Lisboa e tiveram um tempo glorioso, em que durante décadas foram as maiores festividades do concelho de Oeiras. Desde 2015, que tem sido feita uma aposta na revitalização destas festas populares, tendo por objectivo recuperar o brilho e a dimensão que estas festividades outrora tiveram. Realizam-se todos os anos, normalmente, entre o último domingo de Maio e o primeiro domingo de Junho.
Este ano, as festas decorrem entre os dias 20 e 29 de Maio. Em relação ao programa religioso, existirá missa no dia 29 às 11h, celebrada por sua Eminência o Senhor Cardeal Patriarca D. Manuel Clemente, e procissão às 15h30.
Futuro
A Irmandade deseja, que, e apesar de todas as dificuldades, conseguir concretizar dois desejos: as obras prometidas pela Câmara Municipal de Oeiras para devolver a dignidade ao espaço adjacente ao Santuário e, principalmente, que seja possível levar por diante o sonho de criar um Museu de artefactos religiosos acumulados ao longo dos anos, que possa ser visitado num espaço digno preparado para o efeito.
Fontes: Paroquia de Queijas | Heráldica e Genealogia