O Papa Francisco lançou uma nova encíclica, a sua quarta, que aborda a crescente perda de compaixão no mundo devido a guerras, desigualdades socioeconómicas e uso indevido da tecnologia. O documento, intitulado “Dilexit Nos” (Amou-nos), visa lembrar os fiéis do amor de Jesus, alertando contra o consumismo e a manipulação de pensamentos pela tecnologia. Francisco pede que mudemos o nosso olhar, perspetiva e objetivo, recuperando o que é mais importante e necessário: o coração.
O anúncio do Papa
«Carta encíclica sobre o amor humano e divino do Coração de Jesus Cristo» é o subtítulo do documento, cujo texto é inteiramente dedicado ao culto do Sagrado Coração de Jesus. O Santo Padre já o tinha anunciado durante a audiência geral na praça São Pedro a 5 de junho (mês tradicionalmente dedicado ao Sagrado Coração de Jesus), partilhando o desejo de que o texto faça meditar sobre os aspetos «do amor do Senhor que possam iluminar o caminho do renovamento eclesial, e também que possam dizer algo significativo a um mundo que parece ter perdido o coração». Francisco explicou ainda que o documento reúne «as preciosas reflexões de textos magistrais anteriores e de uma longa história que remonta às Sagradas Escrituras, para repropor hoje, a toda a Igreja, este culto repleto de beleza espiritual».
As aparições em 1673
A encíclica é publicada durante as celebrações do 350º aniversário da primeira manifestação do Sagrado Coração de Jesus a Santa Margarida Maria Alacoque, em 1673, que iniciaram a 27 de dezembro de 2023 e decorrem até 27 de junho de 2025, dia da festa do Sagrado Coração. Há três séculos e meio, a 27 de dezembro, Jesus apareceu à jovem religiosa francesa, com apenas 26 anos, para lhe confiar a missão decisiva de difundir no mundo o amor de Jesus pelos homens, especialmente pelos pecadores. As aparições no convento de Paray-le-Monial, na Borgonha, continuaram por 17 anos, com o Coração de Jesus que se manifestava sobre um trono de chamas, circundado por uma coroa de espinhos, símbolo das feridas infligidas pelos pecados dos homens. Cristo pediu à irmã Margarida que a sexta-feira após a festa de Corpus Christi, portanto, oito dias depois, fosse dedicada à Festa do Sagrado Coração de Jesus. Uma missão difícil para a religiosa, que encontrou incompreensões até entre as irmãs e superiores, sendo considerada uma visionária. Ela, porém, nunca desanimou e dedicou toda a vida para que o mundo conhecesse o amor de Cristo.
A devoção de Francisco
O Papa Francisco sempre demonstrou profundo vínculo ao Sagrado Coração, relacionando-o à própria missão dos sacerdotes. Em 2016, o encerramento do Jubileu dos sacerdotes ocorreu justamente na solenidade do Coração de Jesus, e na homilia da missa o Pontífice pediu aos sacerdotes do mundo que orientem o seu coração, como o Bom Pastor, rumo à ovelha perdida, àquele que está mais distante, deslocando o epicentro do coração para fora de si mesmos. Ainda no contexto do Jubileu, na primeira das Meditações sobre a misericórdia, o Papa recomendou aos bispos e sacerdotes que releiam a Haurietis aquas, pois «o Coração de Cristo é o centro da misericórdia. Isto é próprio da misericórdia, que se suja, toca, se envolve, quer comprometer-se com o outro… empenha-se com uma pessoa, com a sua ferida».
Quarta encíclica do pontificado
Dilexit nos é a quarta encíclica de Francisco, após Lumen fidei (29 de junho de 2013), escrita “a quatro mãos” com Bento XVI, Laudato si’ (24 de maio de 2015), sobre a crise ambiental e a necessidade de cuidar da Criação, e Fratelli tutti (3 de outubro de 2020), que resume os apelos e mensagens do Papa sobre a urgência da fraternidade e da amizade social num mundo naquela época fragmentado pela pandemia da Covid-19, e hoje por guerras fratricidas e conflitos travados até em nome de Deus.
As palavras “Dilexit Nos” são as primeiras palavras da encíclica e significam “Amou-nos”. Elas são uma referência a Romanos 8:37, em que São Paulo diz que Cristo nos amou, deixando claro que nada pode “nos separar” desse amor (Rm 8:39). O título completo da encíclica é “Dilexit Nos - Carta Encíclica sobre o Amor Humano e Divino do Coração de Jesus Cristo”.
Mensagens da encíclica
Nesta encíclica, o Papa Francisco lembra-nos como a devoção ao Sagrado Coração é uma profunda expressão de fé e um encontro com o amor infinito de Deus. O Papa Francisco tem falado frequentemente sobre a importância do encontro. Em Dilexit Nos ele explica como o nosso estilo de vida hoje, com o seu ritmo frenético e ênfase no consumismo, significa que não estamos a prestar atenção suficiente ao coração. Ele regressa ao tema dos perigos do individualismo, dizendo que isso impede-nos de ter um verdadeiro encontro com o próximo. Isso leva à percepção de que um relacionamento pessoal autêntico com Cristo, fortalecido pela devoção ao Sagrado Coração, não pode ser separado do amor ao próximo. Como diz o Papa Bento XVI, “o amor ao próximo é um caminho que leva ao encontro com Deus, e… fechar os olhos para o próximo também nos cega para Deus” (Deus Caritas Est, 16).
O Papa Francisco menciona particularmente a necessidade de trabalharmos pela unidade e paz no nosso mundo, uma unidade e paz que só podem ser trazidas pelo amor. Ele condena a cumplicidade, tolerância ou indiferença de outros países durante a eclosão de novas guerras e fala poderosamente do efeito do conflito na pessoa humana, evocando a imagem de mulheres idosas que perderam as suas casas e que choraram pelos filhos e netos.
O Papa Francisco também reitera o apelo para que cuidemos da nossa casa comum, dizendo: “Pois é bebendo do amor [de Cristo] que nos tornamos capazes de forjar laços de fraternidade, de reconhecer a dignidade de cada ser humano e de trabalhar juntos para cuidar de nossa casa comum”. Somos lembrados de que o amor de Deus por nós não tem fim e que, cheios desse amor, também somos chamados a partilhá-lo com os outros, quando ele diz: “Precisamos retomar a Palavra de Deus e compreender, ao fazê-lo, que a nossa melhor resposta ao amor do coração de Cristo é amar os nossos irmãos e irmãs”.
A oração de Francisco
O texto conclui com a seguinte oração de Francisco:
Peço ao Senhor Jesus Cristo que, para todos nós, do seu Coração santo brotem rios de água viva para curar as feridas que nos infligimos, para reforçar a nossa capacidade de amar e servir, para nos impulsionar a fim de aprendermos a caminhar juntos em direção a um mundo justo, solidário e fraterno. Isto até que, com alegria, celebremos unidos o banquete do Reino celeste. Aí estará Cristo ressuscitado, harmonizando todas as nossas diferenças com a luz que brota incessantemente do seu Coração aberto. Bendito seja!
Conclusão
A nova encíclica do Papa Francisco fala aos nossos corações, lembrando-nos que é no coração de Cristo que “verdadeiramente chegamos finalmente a conhecer-nos e aprendemos a amar“. À medida que nos aproximamos do Ano Jubilar de 2025, podemos encontrar uma esperança renovada de que “mesmo no meio da devastação causada pelo mal, o coração de Cristo deseja que cooperemos com ele para restaurar a bondade e a beleza no nosso mundo”.
O papa expressou anteriormente a esperança de que o documento “ilumine o caminho da renovação eclesial” e fala aqui da Igreja que precisa do “amor gratuito de Deus que liberta, anima, traz alegria ao coração e constrói comunidades”. À luz do convite desta encíclica para responder ao amor do coração de Cristo amando nossos irmãos e irmãs, podemos manifestar o amor de Jesus no mundo.