A Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis é um dos documentos mais importantes da Igreja Católica na era contemporânea. Publicada pelo Papa João Paulo II a 22 de fevereiro de 1996, festa da Cátedra de São Pedro, esta Constituição regula a vacância da Sé Apostólica e a eleição do Romano Pontífice — ou seja, define as normas que orientam o período entre a morte (ou renúncia) de um Papa e a escolha do seu sucessor.
Com este documento, João Paulo II consolidou séculos de tradição e adaptou o processo do Conclave às exigências e sensibilidades do mundo moderno, preservando ao mesmo tempo o seu caráter sagrado e espiritual.
Contexto histórico
Desde o século XIII, os conclaves têm sido regidos por várias normas pontifícias. Entre as mais notáveis estavam:
- a bula Ubi Periculum (1274), do Papa Gregório X, que formalizou o isolamento dos cardeais durante a eleição;
- a Constituição Romano Pontifici Eligendo (1975), do Papa Paulo VI, que estabeleceu normas adaptadas ao século XX.
Contudo, à medida que a Igreja enfrentava novos desafios — como os avanços tecnológicos, o aumento do número de cardeais e a globalização — tornou-se necessário rever as regras do conclave.
João Paulo II, sempre atento à necessidade de unidade e clareza, quis deixar à Igreja um documento claro, abrangente e espiritual, que garantisse a transparência, liberdade e autenticidade do processo eletivo.
Publicação e nome
A Constituição foi publicada no dia 22 de fevereiro de 1996, na festa da Cátedra de São Pedro, símbolo da autoridade pastoral do Papa sobre toda a Igreja.
O título latino, Universi Dominici Gregis, significa literalmente “De todo o rebanho do Senhor”, uma expressão que reflete o dever do Romano Pontífice de cuidar de todos os fiéis de Cristo.
Estrutura e conteúdo
O documento é extenso, dividido em cinco partes e 92 artigos, e aborda de forma minuciosa todos os aspetos da vacância da Sé Apostólica e do processo de eleição do novo Papa.
1. Vacância da Sé Apostólica
Regula o período entre a morte ou renúncia do Papa e a eleição do sucessor.
Define as funções do Colégio dos Cardeais, que assume a administração temporária da Igreja, mas sem poder tomar decisões que pertençam exclusivamente ao Papa.
2. Funções do Colégio dos Cardeais
Estabelece as competências e limitações dos cardeais durante a vacância, sobretudo as reuniões chamadas Congregações Gerais e Particulares.
O Camerlengo da Santa Igreja Romana é o responsável pela administração material e simbólica do Vaticano nesse período.
3. Preparação da eleição
Descreve os procedimentos prévios ao conclave: juramentos, isolamento dos cardeais eleitores, e as medidas para garantir o segredo e a integridade do processo.
Proíbe expressamente qualquer tipo de pressão política, mediática ou económica.
4. Eleição do Sumo Pontífice
É a parte central da Constituição.
Reafirma que somente os cardeais com menos de 80 anos podem votar (regra introduzida por Paulo VI e mantida por João Paulo II).
O processo de votação deve ocorrer na Capela Sistina, em ambiente de oração, silêncio e isolamento.
Estabelece ainda que o Papa deve ser eleito por dois terços dos votos válidos dos cardeais presentes.
5. Aceitação e proclamação do eleito
Depois de eleito, o novo Papa é questionado se aceita o cargo (Acceptasne electionem de te canonice factam in Summum Pontificem?) e, em caso afirmativo, escolhe o seu nome pontifício.
Segue-se o anúncio ao povo com o tradicional “Habemus Papam”, feito pelo Cardeal Protodiácono.
Reformas posteriores
Apesar de ser relativamente recente, Universi Dominici Gregis foi atualizada duas vezes:
- Em 11 de junho de 2007, o Papa Bento XVI promulgou o motu proprio De aliquibus mutationibus in normis de electione Romani Pontificis, que modificou as regras para que a eleição requeresse sempre uma maioria de dois terços, mesmo após numerosos escrutínios (anteriormente, podia passar a maioria simples).
- Em 26 de fevereiro de 2013, pouco antes da sua renúncia, Bento XVI publicou o motu proprio Normas Nonnullas, permitindo antecipar o início do conclave se todos os cardeais estivessem presentes, norma que foi aplicada na eleição do Papa Francisco.
Aplicações práticas
A Constituição Universi Dominici Gregis foi aplicada duas vezes até hoje:
- 2005 — Conclave que elegeu o Papa Bento XVI (Joseph Ratzinger), após a morte de João Paulo II.
- 2013 — Conclave que elegeu o Papa Francisco (Jorge Mario Bergoglio), após a renúncia de Bento XVI — a primeira renúncia papal em quase 600 anos.
- 2025 — Conclave que elegeu o Papa Leão XIV (Robert Prevost), após a morte de Francisco.
Todos os conclaves seguiram fielmente as disposições do documento, demonstrando a sua eficácia e adaptabilidade.
Importância e impacto
Universi Dominici Gregis é mais do que um regulamento: é um testemunho de fé e prudência pastoral. João Paulo II quis garantir que, mesmo num tempo de rápidas mudanças, a Igreja mantivesse a pureza espiritual e o discernimento divino no momento mais importante da sua vida institucional — a eleição do sucessor de Pedro.
O texto reflete o profundo sentido eclesiológico de João Paulo II, que via a eleição papal como um ato de obediência ao Espírito Santo, e não apenas uma escolha humana.
Conclusão
A Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis continua, quase três décadas depois da sua promulgação, a ser a pedra angular do governo e continuidade da Igreja.
Ao garantir o equilíbrio entre tradição e modernidade, liberdade e sigilo, oração e responsabilidade, João Paulo II deixou um documento que assegura à Igreja transparência, unidade e serenidade em cada transição do trono de Pedro.