Neste dia, em 1814, o Papa Pio VII restabelecia a Companhia de Jesus em todo o mundo

A restauração da Companhia de Jesus pelo Papa Pio VII, em 1814, representa um dos momentos mais significativos da história da Igreja Católica após o turbilhão político e espiritual do século XVIII. Este ato marcou o renascimento da ordem fundada por Santo Inácio de Loyola, que fora suprimida em 1773 pelo Papa Clemente XIV, após pressões de várias potências europeias. A restauração simbolizou não apenas o regresso de uma das ordens mais influentes da Igreja, mas também uma resposta ao declínio espiritual e cultural que a Europa vivia depois das revoluções e das guerras napoleónicas.

Quem são os Jesuítas: a Companhia de Jesus

A Companhia de Jesus (em latim Societas Iesu), mais conhecida como Ordem dos Jesuítas, foi fundada em 1534 por Santo Inácio de Loyola e um grupo de companheiros — entre eles São Francisco Xavier, São Pedro Fabro e Diogo Laínez — na Universidade de Paris.
O grupo fez os primeiros votos de pobreza e castidade na capela de Montmartre, com o objetivo de servir a Igreja e o Papa, especialmente na evangelização e na educação.

A ordem foi oficialmente aprovada pelo Papa Paulo III através da bula Regimini Militantis Ecclesiae, em 27 de setembro de 1540, que reconhecia a Companhia de Jesus como uma nova forma de vida religiosa: sem clausura, com formação intelectual rigorosa e total obediência ao Papa.

Os Jesuítas tornaram-se rapidamente instrumentos decisivos da Reforma Católica (ou Contrarreforma), atuando no ensino, nas missões, na teologia, na ciência e na diplomacia. Fundaram colegios, universidades e seminários em todo o mundo, e enviaram missionários para a Ásia, África e América, onde evangelizaram milhões — entre eles se destacam São Francisco Xavier (Índia e Japão) e Padre José de Anchieta (Brasil).

O lema da ordem, Ad maiorem Dei gloriam (“Para a maior glória de Deus”), resume o espírito jesuíta: fé ativa, serviço e educação como meios de transformação do mundo.

A decadência e as perseguições do século XVIII

No século XVIII, a Companhia de Jesus atingira uma influência enorme — cultural, política e económica. Os Jesuítas eram conselheiros de reis, educadores da nobreza e administradores de vastas missões ultramarinas. Essa força acabou por gerar invejas e hostilidades entre os governos e dentro da própria Igreja.

Durante o chamado século das Luzes, a ascensão do racionalismo e do absolutismo régio colocou os Jesuítas no centro de um conflito entre fé e poder. Governos influenciados pelas ideias iluministas começaram a acusar a Companhia de ser demasiado poderosa, conservadora e opositora da autoridade dos reis.

Entre as principais potências inimigas da ordem estavam:

  • Portugal, sob o reinado de D. José I e o governo do Marquês de Pombal, que expulsou os Jesuítas em 1759, acusando-os de conspiração e de fomentarem a rebelião indígena no Brasil;
  • França, sob Luís XV, que os baniu em 1764, pressionado pelos jansenistas e filósofos iluministas;
  • Espanha e os seus domínios (Nápoles e Sicília), que seguiram o mesmo caminho em 1767, por ordem de Carlos III.

Assim, em poucos anos, a Companhia de Jesus foi expulsa de quase toda a Europa católica e das suas colónias.

A supressão oficial da Companhia (1773)

As pressões políticas chegaram ao Vaticano. O Papa Clemente XIV, embora pessoalmente benevolente para com os Jesuítas, foi pressionado pelos governos de Portugal, França e Espanha a extinguir a ordem.
Cercado de ameaças e temendo um cisma político, o Papa cedeu.

Em 21 de julho de 1773, promulgou a bula Dominus ac Redemptor, pela qual suprimia oficialmente a Companhia de Jesus em todo o mundo.

A bula declarava que, “para o bem e a paz da Igreja”, a ordem devia ser dissolvida, e os seus bens e colégios, transferidos para outras instituições. Muitos Jesuítas foram presos, exilados ou reduzidos ao estado laical, e as suas escolas e missões foram abandonadas.

Contudo, a Companhia não desapareceu completamente. Em regiões onde os reis se opuseram à bula papal — como na Rússia (sob Catarina II) e na Prússia (sob Frederico II) — os Jesuítas puderam continuar a existir e educar, uma vez que esses monarcas protestantes ou ortodoxos não se submeteram às ordens de Roma.

Assim, paradoxalmente, a sobrevivência da Companhia de Jesus deve-se, em parte, à proteção de soberanos não católicos, que admiravam a competência pedagógica e científica dos Jesuítas.

O renascimento e o contexto do século XIX

Com a Revolução Francesa (1789) e as guerras napoleónicas, o mundo europeu mergulhou no caos. A Igreja sofreu perseguições, mosteiros foram fechados e o próprio Papa foi feito prisioneiro.

Nesse contexto turbulento, o Papa Pio VII (Barnaba Chiaramonti), eleito em 1800, enfrentou enormes desafios: restaurar a autoridade papal, reconstruir a vida eclesial e reerguer as instituições católicas destruídas.

Pio VII reconhecia o valor espiritual e intelectual dos Jesuítas, bem como a necessidade de educadores e missionários para revitalizar a fé. Já antes, em 1801, tinha autorizado a existência da Companhia de Jesus na Rússia, legitimando a continuidade do grupo que nunca fora formalmente dissolvido lá.

A restauração da Companhia de Jesus (1814)

Após o colapso do império napoleónico e o regresso da paz à Europa, Pio VII decidiu restaurar oficialmente a Companhia de Jesus em toda a Igreja.

Em 7 de agosto de 1814, na Igreja do Gesù, em Roma — o templo-mãe dos Jesuítas e onde repousa o corpo de Santo Inácio de Loyola —, o Papa assinou e promulgou a bula Sollicitudo omnium Ecclesiarum, restabelecendo plenamente a Companhia de Jesus em todo o mundo.

No documento, Pio VII declarava:

Reconhecendo que a experiência mostrou quanto a Companhia de Jesus foi útil à Igreja, e atendendo às súplicas de muitos príncipes e prelados, decidimos restaurar a dita ordem, como existia antes da sua supressão.”

O Papa celebrou uma missa solene e entregou pessoalmente a bula ao Padre Tadeusz Brzozowski, o primeiro Superior-Geral da Companhia restaurada, confirmando oficialmente o renascimento da ordem.

O impacto da restauração

A restauração da Companhia de Jesus teve um impacto profundo na Igreja Católica e na educação cristã.
Os Jesuítas retomaram rapidamente a sua missão: fundaram colégios, universidades e seminários; dedicaram-se à catequese e à pregação; e reocuparam o seu papel como educadores, missionários e intelectuais da Igreja.

Durante o século XIX, tornaram-se pilares na reconstrução cultural e espiritual da Europa pós-napoleónica, e no século XX seriam protagonistas de grandes movimentos de renovação teológica e missionária.

A Companhia voltou a crescer e a espalhar-se, chegando novamente a todos os continentes.
Entre as suas realizações posteriores destacam-se a fundação da Universidade Gregoriana de Roma, a direção de observatórios astronómicos, e o papel de discernimento espiritual através dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio.

A herança espiritual e eclesial

A restauração da Companhia de Jesus simboliza a resiliência da Igreja Católica e a vitalidade da espiritualidade inaciana.
Apesar de décadas de perseguição, a ordem sobreviveu graças à fidelidade dos seus membros e à convicção de que a missão dada por Cristo — “ir por todo o mundo e ensinar” — não poderia ser suprimida por decretos humanos.

Pio VII, ao restaurar os Jesuítas, não apenas ressuscitou uma ordem religiosa, mas reacendeu o espírito missionário e intelectual da Igreja, num momento em que o mundo moderno se afastava da fé.

Conclusão

A restauração da Companhia de Jesus em 1814 é um dos capítulos mais importantes da história eclesial moderna.
De fundação em 1540, supressão em 1773, a restauração por Pio VII, o percurso dos Jesuítas é uma história de fidelidade, provação e renascimento.

Hoje, a Companhia de Jesus continua presente em mais de 120 países, com milhares de sacerdotes, religiosos e leigos dedicados à educação, à ciência, à teologia e à justiça social.

A sua sobrevivência e renascimento são testemunhos da promessa de Cristo à Igreja:

As portas do inferno não prevalecerão contra ela.” (Mt 16,18)

Resumo cronológico:

  • 1534 – Fundação da Companhia de Jesus por Santo Inácio de Loyola em Paris.
  • 1540 – Aprovação papal por Paulo III (bula Regimini Militantis Ecclesiae).
  • 1759–1767 – Expulsão dos Jesuítas de Portugal, França e Espanha.
  • 1773 – Supressão oficial por Clemente XIV (Dominus ac Redemptor).
  • 1801 – Pio VII permite a existência dos Jesuítas na Rússia.
  • 1814 – Restauração completa por Pio VII (Sollicitudo omnium Ecclesiarum).
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