A devoção a Nossa Senhora da Penha de França é uma das mais antigas e queridas invocações marianas da Península Ibérica e além-fronteiras. Origina-se numa aparição ou descoberta milagrosa de uma imagem da Virgem Maria no topo da montanha conhecida como Peña de Francia, na província de Salamanca (Castela e Leão, Espanha), por volta de 19 de Maio de 1434. O episódio traduziu-se numa devoção duradoura que se espalhou por Espanha, Portugal e América Latina, com santuários, novenas, romarias e grande veneração popular.
Contexto histórico e geográfico
A montanha Peña de Francia ergue-se a cerca de 1.723 metros na Sierra de Francia, na província de Salamanca, Castela e Leão, Espanha. O local já era considerado retiro natural e tinha eremitérios medievais, mas tornou-se palco de um dos acontecimentos marianos mais célebres da época tardia da Idade Média. A ideia de subir ao alto da montanha para venerar a Virgem Maria encaixa-se na tradição da «penha» ou «peña» como lugar de oração e recolhimento.
A Europa do século XV vivia uma forte espiritualidade popular mariana, cruzadista, eucarística e peregrina. A descoberta de uma imagem enterrada ou oculta da Virgem – ou a indicação de um lugar elevado para a devoção – colaborava para estimular peregrinações, reformas monásticas e devoções locais que muitas vezes recebiam aprovação eclesial com o passar dos anos.
A descoberta da imagem – Simón Vela e 1434
Segundo a tradição, um nobre francês recusou-se à vida mundana, tornou-se irmão leigo da Ordem Franciscana em Paris e ficou conhecido como Simón Vela ou Simón Rolán. Como conta o padre Alberto Colunga, Simón recebeu em sonho ou locução interior a voz de Maria que lhe dizia: “Simón, vela e não durmas; partirás para a Peña de Francia, que se encontra nas terras do Ocidente, e aí procurarás uma imagem semelhante à minha; encontrá-la-ás numa gruta.”
Após anos de peregrinação e busca, no dia 19 de Maio de 1434, Simón descobriu a imagem da Virgem com o Menino Jesus nos seus braços enterrada ou oculta sob rocha ou numa gruta da Peña de Francia.
Relatos contam miraculosas curas naquele momento — a figura emergiu de entre as rochas, um ajudante foi curado de ferida, outro de doença ocular, etc.
O facto marcou o início da devoção à Nossa Senhora da Penha de França como «Virgen Morena» ou imagem de pele escura, símbolo da humildade e da acessibilidade da Virgem aos mais pobres.
O Santuário da Peña de Francia
Após a descoberta, foi erigida uma pequena capela ou ermida no local. A Ordem dos Dominicanos foi convidada em 1436 a estabelecer-se no local, segundo alguns relatos.
Com o tempo, o pequeno santuário evoluiu em igreja maior, convento, hospício de peregrinos e miradouro espiritual. O portal de turismo da Castela e Leão descreve o santuário como local de elevado valor natural e espiritual, com igreja, construção conventual e mirador na Peña.
A invocação «Penha de França» tornou-se muito popular e foi trazida para Portugal, Brasil e outras partes do mundo colonial pelos portugueses e espanhóis, que construíram igrejas dedicadas à Virgem sob este título.
Difusão da devoção e significado popular
A invocação tomou grande fôlego não apenas em Espanha, mas em Portugal e Brasil. No Brasil, por exemplo, o Santuário da Penha, em São Paulo, tornou-se um dos mais importantes centros marianos, sendo referência desde o século XVII.
Em Portugal, freguesias, capelas e romarias em honra de Nossa Senhora da Penha de França multiplicaram-se, como em Vista Alegre (Ílhavo) ou em Alcanena.
A festa litúrgica da Virgem sob este título é celebrada em diversos dias: tradicionalmente também no dia da Assunção (15 de Agosto) ou em 8 de Setembro, conforme a localidade, e com romarias, novenas, procissões e peregrinações.
Mensagem espiritual
A devoção à Nossa Senhora da Penha de França traz várias dimensões espirituais importantes:
- Maria como guia e escuta divina: a figura de Simón Vela que «ouve» o chamado e peregrina simboliza a vocação cristã de escuta, procura e encontro.
- Humildade e ocultação: a imagem está escondida em gruta, como tantos sinais de Deus que são encontrados no silêncio e na simplicidade.
- Peregrinação e contato com a criação: subir à Peña implica esforço, sacrifício, ver Deus na natureza, vencer o cansaço — analogia da vida cristã.
- Acessibilidade da Virgem aos que sofrem: as curas e milagres narrados no momento da descoberta mostram-no como refúgio dos doentes, pobres e peregrinos.
- Transmissão e comunidade: a devoção não ficou confinada ao local, mas alcançou outras terras, mostrando o dinamismo missionário mariano.
Estrutura canónica e reconhecimento
Embora não haja uma «aprovação oficial» formal da Igreja universal para todas as versões da narrativa (como em algumas aparições mais recentes), o culto da Nossa Senhora da Penha de França está bem estabelecido na Igreja Católica. A capela original foi aprovada por autoridades locais eclesiásticas nas décadas seguintes à descoberta, e os santuários dedicados gozaram de proteção pontifícia em diversos momentos. A tradição e a devoção popular são elementos de confirmação, junto com as graças atribuídas.
Impacto para o fiel de hoje
Para o cristão contemporâneo, a Penha de França oferece:
- Um local símbolo de encontro com a Virgem em meio ao esforço e à natureza: subir ao santuário pode ser uma experiência de retiro espiritual.
- Um convite à procura de Deus nas «penhas» da vida — nas dificuldades, nos lugares elevados ou nos lugares humildes.
- Uma inspiração para viver a fé com peregrinação interior: não apenas ir ao santuário, mas subir o caminho da oração, da penitência, da vigilância (“vela e não durmas”).
- Uma comunhão internacional: reconhece-se que a devoção atravessa fronteiras — de Salamanca a Lisboa, de Portugal ao Brasil.
Conclusão
A história de Nossa Senhora da Penha de França lembra-nos que Deus se revela nos lugares altos da terra e nos corações baixos dos fiéis, que Maria continua a conduzir com ternura, e que a verdadeira devoção nasce da obediência, da humildade e da peregrinação contínua.
Aquele momento de 19 de Maio de 1434, quando Simón Vela encontrou a imagem da Virgem na Peña, vive hoje em cada romeiro que sobe à montanha, em cada oração na capela, em cada coração que busca Maria como Mãe e guia.
“Senhora da Penha, que à sombra da rocha encorajaste o peregrino a cavar onde estava oculta, ajuda-me a escavar no meu coração o espaço para acolher-Te e dar-Te graças.”