A história da Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, mais conhecida como Ordem dos Templários, é uma das mais fascinantes da Idade Média. Fundada no início do século XII, a ordem nasceu da necessidade de proteger os peregrinos cristãos que se dirigiam à Terra Santa após a Primeira Cruzada. A sua ascensão foi meteórica — tornando-se uma das instituições mais poderosas e influentes da Cristandade, mas o seu fim, trágico e abrupto, marcaria profundamente a história da Igreja e da Europa medieval.
Origens e Fundação da Ordem
A Ordem dos Templários foi fundada por volta de 1119 por um pequeno grupo de cavaleiros liderado por Hugo de Payens e Godofredo de Saint-Omer, sob o apoio do rei Balduíno II de Jerusalém. O seu objetivo inicial era proteger os peregrinos que viajavam entre Jafa e Jerusalém, numa altura em que a Terra Santa ainda se encontrava sob domínio cristão, após a conquista de 1099.
Os cavaleiros instalaram-se num edifício situado no antigo Templo de Salomão, em Jerusalém, de onde derivou o nome da ordem. O seu lema — Non nobis, Domine, non nobis, sed nomini tuo da gloriam (“Não a nós, Senhor, não a nós, mas ao teu nome dá glória”) — refletia o espírito de humildade e devoção que inspirava a sua missão.
Reconhecimento e Crescimento
Em 1129, durante o Concílio de Troyes, a Ordem foi oficialmente reconhecida pela Igreja sob a orientação de São Bernardo de Claraval, um dos maiores teólogos do seu tempo. São Bernardo redigiu a famosa Regra dos Templários, que combinava os ideais monásticos de pobreza, castidade e obediência com o espírito guerreiro das cruzadas.
A partir daí, a ordem cresceu rapidamente em prestígio e poder. Recebeu doações de terras em toda a Europa, acumulou riquezas e tornou-se uma força militar de elite nas cruzadas. Os Templários criaram uma complexa rede de fortalezas, propriedades e bancos — chegando mesmo a desenvolver um sistema de crédito precursor da banca moderna, que permitia aos peregrinos depositar dinheiro num país e levantá-lo noutro.
Decadência e Perseguição
Com o fim das Cruzadas e a perda da Terra Santa — culminando com a queda de Acre em 1291 —, a razão de ser da Ordem começou a enfraquecer. Sem terras no Oriente e com imensas riquezas acumuladas na Europa, os Templários tornaram-se alvo de invejas e suspeitas.
O rei de França, Filipe IV, o Belo, profundamente endividado com os Templários, viu neles uma ameaça e uma oportunidade. A 13 de outubro de 1307, numa sexta-feira — data que ficaria célebre como “sexta-feira 13” —, Filipe ordenou a prisão de todos os Templários em território francês. Foram acusados de heresia, idolatria, sodomia e outros crimes falsos e infamantes.
Sob tortura, muitos confessaram acusações absurdas. O Grão-Mestre Jacques de Molay foi preso e mantido em cativeiro durante anos, sempre proclamando a inocência da Ordem.
A Bula Vox in Excelso e a Extinção da Ordem
Perante a pressão de Filipe IV, o Papa Clemente V acabou por ceder. No Concílio de Vienne, em 22 de março de 1312, promulgou a bula Vox in Excelso, pela qual suprimia oficialmente a Ordem dos Templários.
O documento, que começava com as palavras “Vox in excelso resonans, qua per universum orbem terrarum in Ecclesia Dei sonuit” (“A voz que ressoa nas alturas e se faz ouvir por todo o mundo na Igreja de Deus”), não condenava expressamente os Templários por heresia, mas justificava a extinção da ordem “pelo escândalo público e a infâmia que se haviam levantado contra ela”.
A bula declarava que, “não por condenação judicial, mas por prudente providência apostólica”, a Ordem deveria ser abolida para sempre. Todos os seus bens foram transferidos para a Ordem dos Hospitalários de São João de Jerusalém (futuros Cavaleiros de Malta).
O Martírio de Jacques de Molay
Apesar da extinção formal, muitos cavaleiros continuaram a ser julgados individualmente. O episódio mais marcante ocorreu em 18 de março de 1314, quando o último Grão-Mestre, Jacques de Molay, foi queimado vivo em Paris, juntamente com o preceptor normando Geoffroy de Charney.
Segundo a tradição, antes de morrer, Molay proclamou a inocência da Ordem e invocou o julgamento de Deus sobre o Papa Clemente V e o rei Filipe IV, ambos dos quais morreriam no mesmo ano, cumprindo de forma misteriosa a “maldição dos Templários”.
As Consequências Históricas
A extinção dos Templários marcou o fim de uma das mais poderosas instituições da Idade Média. O seu desaparecimento deixou um vazio na estrutura militar e espiritual das Cruzadas, ao mesmo tempo que originou inúmeras lendas e teorias conspiratórias — desde o suposto tesouro templário até ligações com a Maçonaria e o Santo Graal.
Os Templários permaneceram, no entanto, como símbolo de fé, coragem e lealdade, e a sua memória foi reabilitada em parte ao longo dos séculos seguintes.
A Ordem dos Templários em Portugal
Em Portugal, a história dos Templários teve um rumo singular e providencial. Desde cedo, os reis portugueses viram na Ordem um aliado valioso na Reconquista cristã.
Os Templários chegaram a Portugal por volta de 1128, convidados por D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques, e receberam diversas terras em recompensa pelos seus serviços militares, como as regiões de Soure, Longroiva, Idanha e Tomar.
A sede da Ordem em Portugal foi estabelecida no Castelo de Tomar, construído em 1160 sob a direção do Mestre Gualdim Pais, um dos heróis da fundação do reino. Tomar tornou-se um símbolo do poder templário e um centro espiritual e militar de grande importância.
Quando a Ordem foi extinta em 1312, o rei D. Dinis, consciente do seu valor para o país, interveio junto da Santa Sé para preservar o seu património e os seus membros inocentes. Assim, em 1319, o Papa João XXII aprovou a criação da Ordem de Cristo, pela bula Ad ea ex quibus, que absorveu os bens e tradições templárias em território português.
A Ordem de Cristo manteve o mesmo espírito de serviço e fé, e viria a ter um papel decisivo nos Descobrimentos Portugueses, pois foi sob o seu símbolo — a cruz vermelha templária — que as caravelas portuguesas levaram a fé cristã aos quatro cantos do mundo.
Curiosidades e Legado
- Em Portugal, a Ordem foi protegida por D. Dinis, que em 1319 criou a Ordem de Cristo, reconhecida pelo Papa João XXII, como continuação legítima da missão templária.
- A Cruz de Cristo, símbolo da nova ordem, viria a figurar nas velas das caravelas portuguesas durante os Descobrimentos.
- A bula Vox in Excelso é hoje um dos documentos mais estudados do pontificado de Clemente V, representando o poder das monarquias europeias sobre a Igreja no final da Idade Média.
- A extinção dos Templários não apagou a sua influência espiritual e cultural: o ideal de cavaleiro cristão perdura como símbolo de coragem, disciplina e fé.
- A “maldição dos Templários” tornou-se parte do imaginário popular europeu, inspirando obras literárias, filmes e inúmeras teorias.
- Em Portugal, a Ordem de Cristo foi essencial para o desenvolvimento nacional e para a expansão missionária da Igreja.
- O Castelo de Tomar e o Convento de Cristo, hoje Património Mundial da UNESCO, permanecem como testemunho vivo da herança templária.
Reflexão Espiritual
A história dos Templários recorda-nos que a fidelidade à fé deve permanecer mesmo diante da injustiça e da perseguição. Tal como os antigos cavaleiros do Templo, somos chamados a lutar as nossas “batalhas espirituais” com coragem, humildade e confiança em Deus.
A extinção da Ordem mostra que as obras humanas podem cair, mas o testemunho da fé verdadeira permanece. E foi essa mesma fé que, em Portugal, renasceu sob a Cruz de Cristo — símbolo da redenção e do amor divino — para continuar a missão de levar a luz do Evangelho até aos confins da terra.
Conclusão
A história da Ordem dos Templários é um espelho da própria Idade Média — um tempo de fé ardente, poder e intrigas políticas. A bula Vox in Excelso, emitida a 22 de março de 1312, encerrou uma era de glória e mistério, mas não conseguiu apagar o legado espiritual e cultural dos cavaleiros que juraram defender o Templo e a Cruz.
Hoje, os Templários permanecem como símbolo eterno de fidelidade a Cristo e ao ideal de justiça, inspirando historiadores, fiéis e curiosos a mergulhar num dos capítulos mais enigmáticos e fascinantes da história da Igreja.