Num tempo em que os textos fundacionais das ordens religiosas eram quase exclusivamente escritos por homens, Santa Clara de Assis fez história. Em 1253, apenas dois dias antes da sua morte, o Papa Inocêncio IV aprovou oficialmente a regra de vida que ela própria redigira para a comunidade das irmãs pobres de São Damião — a futura Ordem das Clarissas. Esta aprovação, feita através da bula Solet annuere de 9 de agosto de 1253, tornou a Regra de Santa Clara a primeira regra de vida religiosa escrita por uma mulher a ser reconhecida oficialmente pela Igreja.
Contexto histórico e espiritual da fundação
A Ordem das Clarissas nasceu no contexto do movimento franciscano, iniciado por São Francisco de Assis no início do século XIII. Clara, jovem nobre de Assis, seguiu os passos do “Poverello” e fundou com ele uma forma de vida contemplativa feminina baseada na pobreza radical, na vida em comum e na oração. O primeiro mosteiro foi o de São Damião, nos arredores de Assis, onde Clara viveu até à sua morte.
Um carisma enraizado na pobreza evangélica
O elemento central da Regra das Clarissas é a pobreza vivida de forma absoluta, tanto individual como comunitariamente. Clara insistia que a comunidade não podia possuir propriedades, nem mesmo em comum. Esta fidelidade ao ideal franciscano levou-a a recusar várias tentativas de mitigação da regra por parte de prelados que consideravam a prática demasiado rigorosa. Para Clara, a pobreza não era apenas uma renúncia material, mas uma forma de identificação com Cristo pobre e crucificado, um caminho de liberdade interior e confiança total na Providência de Deus.
Vida fraterna e clausura
A Regra estipula também uma vida de oração intensa, celebrada em comunidade, e vivida em clausura. As irmãs dedicam-se à liturgia das horas, ao silêncio, à contemplação e ao trabalho manual. A clausura, longe de ser isolamento, é compreendida como um modo de proteger o recolhimento necessário para uma vida totalmente voltada para Deus e para o bem da Igreja. A obediência, a humildade e a alegria evangélica completam os pilares espirituais da regra.
Aprovação papal e significado eclesial
A bula Solet annuere, emitida a 9 de agosto de 1253, representa um momento histórico na vida da Igreja. Pela primeira vez, a Santa Sé reconhecia oficialmente uma regra escrita por uma mulher, não apenas vivida mas também pensada teologicamente. Esta aprovação ocorreu apenas dois dias antes da morte de Clara, que assim pôde partir em paz, tendo garantido a fidelidade da sua comunidade ao carisma original de Francisco.
A Regra na atualidade
Hoje, a Regra de Santa Clara continua a ser a norma de vida das Clarissas em todo o mundo. Apesar das adaptações canónicas ao longo dos séculos, o núcleo da regra — pobreza radical, vida fraterna, oração e clausura — permanece inalterado. Em tempos de consumismo e ruído, o testemunho das Clarissas continua a ser um sinal profético da centralidade de Deus e da beleza de uma vida entregue.
Conclusão
A Regra das Clarissas não é apenas um documento histórico; é uma herança espiritual viva que continua a inspirar milhares de mulheres em todo o mundo. Clara de Assis, com a sua firmeza, humildade e amor absoluto a Cristo, abriu um caminho luminoso no seio da Igreja. O seu texto, aprovado em 1253, permanece como testemunho da força transformadora do Evangelho vivido com radicalidade feminina e fidelidade eclesial.