A Ordem Soberana e Militar de Malta, oficialmente conhecida como Ordem de São João de Jerusalém, de Rodes e de Malta, é uma das instituições mais antigas da Igreja Católica e do mundo cristão. Com quase mil anos de história, esta ordem nasceu em Jerusalém no contexto das Cruzadas, unindo o serviço aos pobres e doentes à defesa da fé cristã. A sua aprovação oficial pela Santa Sé marcou o reconhecimento canónico de uma vocação singular: a de “defender a fé e servir os necessitados”.
As origens: o Hospital de Jerusalém
As raízes da Ordem remontam ao século XI, antes mesmo das Cruzadas. Por volta de 1048, mercadores amalfitanos obtiveram permissão do califa do Egito para construir, em Jerusalém, um mosteiro e hospital dedicados a São João Batista, destinados a acolher peregrinos cristãos doentes e pobres que chegavam à Terra Santa.
A comunidade hospitalária, inicialmente laica, era composta por religiosos que viviam sob a Regra de Santo Agostinho e dedicavam-se à caridade e ao cuidado dos enfermos, independentemente da origem ou religião.
A fundação da Ordem e o reconhecimento pontifício
Com a conquista de Jerusalém pelos cruzados em 1099, o hospital ganhou nova importância. O seu superior, Beato Frei Gerardo (ou Gérard Tenque), foi reconhecido como fundador da nova instituição, que rapidamente se estruturou como Ordem Religiosa e Militar.
O Papa Pascoal II, em 15 de fevereiro de 1113, promulgou a bula Pie Postulatio Voluntatis, documento fundamental que aprovou oficialmente a fundação da Ordem de São João de Jerusalém.
Nesta bula, o Pontífice declarou o hospital e todos os seus bens independentes de qualquer autoridade civil ou episcopal local, colocando-os sob proteção direta da Santa Sé. Assim, a Ordem passou a ter autonomia jurídica e espiritual, com o direito de eleger livremente o seu Grão-Mestre e estabelecer casas e hospitais em qualquer território cristão.
A bula afirmava:
“Pela piedade da vossa devoção, acolhemos o vosso pedido e colocamos sob a proteção apostólica o Hospital de São João de Jerusalém, que fundastes na cidade santa, e todos os seus bens presentes e futuros.”
Este ato de Pascoal II é considerado o ato de nascimento oficial da Ordem de Malta enquanto instituição religiosa reconhecida pela Igreja.
Desenvolvimento e expansão
Nos séculos seguintes, a Ordem cresceu rapidamente em prestígio e poder. Tornou-se simultaneamente Ordem hospitalária e militar, assumindo a missão de proteger peregrinos e defender os territórios cristãos na Terra Santa.
Após a queda de Jerusalém em 1187, a Ordem transferiu-se para Acre, depois para Chipre e finalmente para Rodes em 1310, onde se transformou numa potência naval que defendia o Mediterrâneo das incursões otomanas e piratas.
Em 1530, o Papa Clemente VII concedeu-lhes a ilha de Malta — daí o nome atual da Ordem. Dali, os cavaleiros continuaram a servir como defensores da cristandade, destacando-se na Grande Batalha de 1565, quando resistiram heroicamente ao cerco do Império Otomano.
A missão espiritual e caritativa
Embora com o tempo tenha perdido funções militares, a Ordem manteve fielmente a sua vocação hospitalária e humanitária. O lema “Tuitio Fidei et Obsequium Pauperum” — Defesa da Fé e Serviço aos Pobres — continua a ser o coração da sua identidade.
Atualmente, a Ordem Soberana de Malta é reconhecida como entidade soberana de direito internacional, mantendo relações diplomáticas com mais de 110 países e um estatuto de observador permanente junto das Nações Unidas.
As suas missões humanitárias e médicas estendem-se a mais de 120 países, incluindo hospitais, clínicas, programas de emergência, apoio a refugiados e ações de socorro em catástrofes naturais.
O Beato Frei Gerardo — o primeiro Grão-Mestre
O Beato Frei Gerardo, fundador da Ordem, é venerado pela Igreja como símbolo da caridade cristã e do espírito de serviço. Morreu em 3 de setembro de 1120 e foi beatificado pelo Papa Leão XIII em 1901. A sua festa litúrgica celebra-se a 13 de outubro.
A continuidade da missão
Apesar das mudanças ao longo dos séculos — da Jerusalém das Cruzadas ao mundo globalizado — a Ordem de Malta continua a ser um dos mais antigos braços caritativos da Igreja Católica, testemunho vivo de que a fé deve traduzir-se em serviço e amor ao próximo.
O Papa Francisco, ao receber os representantes da Ordem em 2023, recordou:
“A vossa vocação é antiga, mas sempre atual: cuidar dos doentes, servir os pobres, e viver a fé em humildade e coragem.”
Conclusão
A aprovação da fundação da Ordem de Malta em 1113, através da bula Pie Postulatio Voluntatis do Papa Pascoal II, foi um marco na história da Igreja e da caridade cristã.
Daquele humilde hospital de peregrinos em Jerusalém nasceu uma instituição milenar, que atravessou guerras, impérios e revoluções, mas nunca abandonou a sua essência: a defesa da fé e o serviço ao sofrimento humano.
Hoje, quase mil anos depois, a Ordem Soberana e Militar de Malta continua fiel ao seu carisma original, sendo um exemplo luminoso de como a caridade, quando enraizada em Cristo, resiste ao tempo e transforma o mundo.