A figura de São Geraldo de Braga ocupa um lugar de destaque na história da Igreja em Portugal, especialmente na cidade de Braga, onde foi arcebispo entre os séculos XI e XII. O seu nome está intimamente ligado à restauração da diocese bracarense, após um longo período de decadência e destruição, e à consolidação da fé cristã na região durante a Reconquista. Logo após a sua morte, São Geraldo foi aclamado padroeiro da cidade de Braga, em reconhecimento à sua vida santa e ao seu papel decisivo na revitalização espiritual e eclesiástica da antiga sede metropolitana.
Origens e formação
São Geraldo nasceu em Beaulieu, na região de Cahors, em França, por volta do ano 1040. Desde jovem demonstrou grande piedade e vocação religiosa, ingressando ainda novo no Mosteiro de Moissac, um dos centros espirituais e culturais mais importantes da ordem beneditina na França medieval.
No mosteiro, recebeu uma formação profunda nas Sagradas Escrituras, na liturgia e na música sacra, tornando-se mestre do coro e um exemplo de vida monástica. A sua fama de santidade e erudição espalhou-se rapidamente, chegando aos ouvidos de prelados ibéricos que procuravam reforçar o renascimento religioso na Península, então em plena Reconquista cristã.
A vinda para Portugal e a restauração de Braga
Por volta de 1096, Geraldo foi chamado a Portugal pelo rei D. Afonso VI de Leão e Castela e por D. Raimundo de Borgonha, cunhado do monarca e conde do território portucalense. O objetivo era restaurar a antiga diocese de Braga, destruída e abandonada após séculos de dominação muçulmana.
A sé bracarense, outrora uma das mais antigas e prestigiadas da Península, estava praticamente em ruínas — tanto física como espiritualmente. Foi nesse contexto que Geraldo foi nomeado arcebispo de Braga, em torno do ano 1099, sucedendo a Pedro de Braga (também conhecido como Pedro Rudesindo).
Com determinação e fé, Geraldo de Braga reergueu a diocese, restaurando a catedral, reorganizando o clero, recuperando arquivos e liturgias antigas e reavivando o prestígio da arquidiocese metropolitana, que reclamava a primazia sobre todas as dioceses da Península Ibérica.
A ação pastoral e o exemplo de santidade
Durante o seu episcopado, São Geraldo destacou-se pela pureza de costumes, pela firmeza na defesa da disciplina eclesiástica e pela caridade para com os pobres. Foi um pastor zeloso, reformador incansável e homem de oração profunda.
Além da reorganização administrativa e espiritual da diocese, dedicou-se à formação do clero, à promoção da liturgia segundo o rito romano e ao fortalecimento das práticas de piedade entre o povo. Sob a sua orientação, Braga tornou-se novamente um centro de influência religiosa e cultural em toda a região do Noroeste peninsular.
A morte e a aclamação como padroeiro de Braga
São Geraldo faleceu a 5 de dezembro de 1108, na própria cidade de Braga, depois de um episcopado marcado pela santidade e pelo zelo pastoral.
Logo após a sua morte, a população e o clero começaram a venerá-lo como santo e protetor da cidade, devido à fama de virtudes e aos sinais de milagres atribuídos à sua intercessão.
Sem esperar uma canonização formal — prática ainda pouco estruturada à época —, os bracarenses aclamaram São Geraldo como padroeiro da cidade, reconhecendo o seu papel na restauração da diocese e na revitalização espiritual de Braga.
A sua sepultura, inicialmente situada na Sé de Braga, tornou-se lugar de peregrinação e devoção popular, onde muitos afirmavam receber graças e curas.
O culto e a tradição
Com o passar dos séculos, o culto de São Geraldo consolidou-se em Braga e em toda a arquidiocese. A sua festa litúrgica é celebrada a 5 de dezembro, data do seu falecimento, e continua a ser um dos momentos mais significativos do calendário religioso bracarense.
As relíquias do santo são veneradas na Sé Catedral de Braga, guardadas com grande devoção, e a sua imagem — geralmente representada com as vestes episcopais, báculo e mitra — é presença constante nas procissões e celebrações da cidade.
O seu nome foi também associado a diversas instituições religiosas, escolas e obras de caridade fundadas na região ao longo dos séculos, perpetuando o seu legado de fé, sabedoria e serviço pastoral.
O milagre da fruta
O milagre da fruta de São Geraldo é uma lenda muito popular em Braga. Segundo a lenda, São Geraldo ficou gravemente doente durante um período de inverno rigoroso, com muito frio e neve. Sentindo fome e sede, pediu a alguém que lhe trouxesse fruta. Os seus servos responderam que tal era impossível, pois o frio e a neve impediam as árvores de dar fruto naquela estação do ano.
Após alguma insistência por parte de São Geraldo, e para surpresa de todos, verificou-se que as árvores no terreno onde residia estavam, milagrosamente, cheias de fruta madura. São Geraldo agradeceu a Deus pelo milagre, que apaziguou a sua fome e sede antes de morrer.
Em memória deste evento, a 5 de dezembro, a Capela de São Geraldo na Sé de Braga é decorada com fruta fresca, em vez das tradicionais flores. Esta tradição mantém-se viva até hoje, sendo frequentemente recriada por crianças das escolas de Braga para preservar o património imaterial da cidade.
Legado e atualidade
Mais de nove séculos após a sua morte, São Geraldo continua a ser uma referência viva para os bracarenses. O seu exemplo de humildade, zelo pastoral e fidelidade à Igreja inspira o clero e os fiéis, especialmente num tempo em que a renovação espiritual continua a ser uma necessidade constante.
A sua figura é lembrada não apenas como um homem de oração, mas também como um restaurador da unidade e da esperança, um bispo que soube reconstruir não só templos de pedra, mas sobretudo templos de fé nos corações dos cristãos.
Conclusão
A vida e a obra de São Geraldo de Braga são um testemunho luminoso da fé que moldou a história de Portugal. Aclamado padroeiro da cidade de Braga logo após a sua morte, o santo arcebispo deixou uma marca indelével na Igreja e na alma bracarense.
Sob a sua proteção, Braga floresceu espiritualmente e voltou a ocupar o lugar que lhe era devido: o de “Roma portuguesa”, centro da fé e da tradição cristã no Ocidente peninsular.
“Quem restaura a fé, restaura o coração de um povo.”
— Assim poderíamos resumir o legado eterno de São Geraldo, o santo que devolveu a Braga o brilho da sua alma cristã.