A Quaresma é um dos períodos mais significativos do calendário litúrgico cristão, representando um tempo de preparação espiritual para a celebração da Páscoa, a festa central da fé cristã. É a solenidade que comemora os 40 dias que Jesus Cristo passou a jejuar no deserto e suportando a tentação de Satanás, de acordo com os Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, antes de iniciar o seu ministério público. Durante estes quarenta dias, que começam na Quarta-feira de Cinzas, os fiéis são convidados a envolver-se em práticas de penitência, reflexão e renovação espiritual.
Origem e Significado Histórico
A origem da Quaresma remonta aos primeiros séculos do cristianismo, quando os fiéis começaram a preparar-se para a Páscoa através de um período de penitência e jejum. Os historiadores indicam que a Quaresma foi estabelecida em 325 d.C., durante o primeiro Concílio de Niceia. O número quarenta tem um significado simbólico na tradição cristã. No Antigo Testamento:
- O profeta Moisés foi às montanhas por quarenta dias e quarenta noites para orar e jejuar “sem comer pão nem beber água” antes de receber os Dez Mandamentos (Êxodo 34:28)
- Da mesma forma, o profeta Elias foi às montanhas durante quarenta dias e quarenta noites para jejuar e orar “até chegar a Horeb, o monte de Deus”, quando “a palavra do Senhor veio a ele” (Reis 19: 8–9)
- Quarenta anos dura a viagem do povo judeu do Egito para a Terra prometida (Deuteronómio 8:2-4)
- Os cidadãos de Nínive fazem penitência durante quarenta dias para obter o perdão de Deus (Jonas 3:4-5)
- Quarenta anos duraram os reinados de Saul (Atos 13:21), de David (Samuel II 5:4-5) e de Salomão (Reis 11:42), os três primeiros reis de Israel
No Novo Testamento:
- Jesus foi levado por Maria e José ao Templo, quarenta dias após o seu nascimento, para ser apresentado ao Senhor (Lucas 2:22). Este período de quarenta dias era determinado pela lei judaica, quando uma mulher desse à luz um filho homem. Foi a soma dos dias para a circuncisão de Jesus, após o parto, mais o período para a purificação de Maria. Só então ela poderia entrar no santuário (Levítico 12:2-4)
- Jesus, antes de iniciar a sua vida pública, retira-se no deserto por quarenta dias e quarenta noites, sem comer, sendo tentado por Satanás (Mateus 4:2 e Lucas 4:1-2)
- Durante quarenta dias Jesus ressuscitado instrui os seus discípulos, antes de subir ao Céu e enviar o Espírito Santo (Atos 1:1-3)
Duração e Estrutura
Na Igreja Católica, o Tempo da Quaresma decorre desde a Quarta-feira de Cinzas, que marca o primeiro dia dos quarenta dias de preparação, até o início da Celebração da Ceia do Senhor, na Quinta-feira Santa. Este período de quarenta dias exclui os domingos, que são considerados dias de celebração da ressurreição de Cristo.
A quarta-feira das Cinzas é o princípio da Quaresma, dia especialmente penitencial, onde os cristãos manifestam o desejo pessoal de conversão a Deus. A imposição das cinzas é um convite a percorrer o tempo da Quaresma como uma imersão mais consciente e mais intensa no mistério pascal de Jesus, na sua morte e ressurreição, mediante a participação na Eucaristia e na vida de caridade. A origem da imposição das cinzas pertence à estrutura da penitência canónica. A bênção e imposição das cinzas realiza-se dentro da Missa, depois da homilia. As cinzas procedem dos ramos benzidos no Domingo da Paixão do Senhor, do ano anterior, seguindo um costume que remonta ao século XII. A fórmula da bênção lembra a condição de pecadores de quem as vai receber.
Práticas Quaresmais
Durante a Quaresma, os cristãos são convidados a envolverem-se em várias práticas espirituais, incluindo o jejum, a oração e a caridade. O jejum pode envolver a abstinência de alimentos ou certos prazeres durante toda a Quaresma, especialmente às sextas-feiras, em memória do sacrifício de Cristo na cruz. A oração é uma parte central da Quaresma, com muitos fiéis a participarem em serviços religiosos adicionais, como a Via-Sacra. A caridade, por sua vez, envolve ser generoso para com os necessitados, em linha com o exemplo de Jesus de servir aos outros.
Os fiéis são exortados a guardarem a abstinência de carne ou de outro alimento segundo as determinações da conferência episcopal, todas as sextas-feiras, a não ser que coincidam com algum dia enumerado entre as solenidades. Os fiéis devem seguir o preceito da abstinência e do jejum na Quarta-feira de Cinzas e na Sexta-feira da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo (Cân. 1251).
Em 1966, o Papa Paulo VI reduziu os dias de jejum obrigatório de todos os quarenta dias da Quaresma para Quarta-feira de Cinzas e Sexta-feira Santa, e os dias de abstinência para Sextas-feiras e Quarta-feira de Cinzas, permitindo que as conferências episcopais substituíssem a abstinência e o jejum por outras formas de penitência, como caridade e a piedade, conforme declarada e estabelecida na sua constituição apostólica Paenitemini. O jejum em todos os quarenta dias da Quaresma ainda é “fortemente recomendado”, embora não sob pena de pecado mortal.
Celebrações Litúrgicas
Durante a Quaresma, a liturgia da Igreja reflete o caráter penitencial e preparatório deste tempo. As cores litúrgicas mudam para o roxo, simbolizando penitência e reflexão. No tempo da Quaresma, não se diz o Glória nem o Credo na missa. As leituras bíblicas e as orações durante a Quaresma refletem temas de arrependimento, perdão e renovação espiritual. Além disso, muitas igrejas realizam serviços especiais, como as Missas Penitenciais, Liturgias da Paixão e Vias Sacras, para ajudar os fiéis a prepararem-se para a celebração da Páscoa.
Conclusão
A Quaresma é um tempo de graça e bênção, onde os fiéis são convidados a voltarem-se para Deus com todo o coração, mente e alma. É um período de preparação espiritual, onde os cristãos são desafiados a renovarem o seu compromisso com Deus e a tornarem-se mais fiéis aos ensinamentos de Cristo. Que este tempo de Quaresma seja para todos um período de crescimento espiritual, de conversão interior e de renovação da fé. Que possamos abrir-nos à graça de Deus e prepararmo-nos verdadeiramente para celebrar a Páscoa, a festa da vida e da esperança.