Neste dia, em 1972, a Pietà de Michelangelo era vandalizada

Entre todas as obras-primas que adornam a Cidade do Vaticano, poucas tocam tão profundamente a alma como a Pietà de Michelangelo Buonarroti, exposta na Basílica de São Pedro. Esculpida no final do século XV, a imagem da Virgem Maria segurando o corpo morto de Jesus após a crucificação tornou-se um dos símbolos mais poderosos da dor redentora e do amor materno.

Contudo, a serenidade que irradia da obra foi brutalmente interrompida em 1972, quando um ato de vandalismo chocou o mundo e feriu uma das esculturas mais sagradas e veneradas da cristandade. A história da Pietà é, assim, também uma história de sofrimento, reparação e renascimento — tal como o próprio mistério pascal que ela representa.

A origem da Pietà: arte e fé unidas no mármore

A Pietà foi encomendada em 1497 pelo cardeal Jean Bilhères de Lagraulas, embaixador do rei de França junto à Santa Sé, para o seu túmulo na antiga Basílica de São Pedro. Michelangelo, então com apenas 24 anos, recebeu a tarefa de criar uma imagem da Virgem Maria com o corpo de Cristo após a descida da cruz — um tema popular na arte medieval, mas raramente tratado com tamanha delicadeza e perfeição.

Em apenas dois anos, entre 1498 e 1499, Michelangelo concluiu a escultura, esculpida em um único bloco de mármore de Carrara, conhecido pela sua pureza e brilho quase translúcido. A obra mede 1,74 metros de altura e impressiona pela harmonia entre realismo e espiritualidade.

O artista representou Maria como uma jovem serena, símbolo da pureza eterna, com o Filho morto repousando em seu colo. O rosto tranquilo de Cristo contrasta com a dor silenciosa da Mãe — um convite à contemplação do mistério da Redenção.

Curiosamente, a Pietà é a única obra assinada por Michelangelo. Após ouvir rumores de que outros artistas estavam a ser creditados pela escultura, gravou discretamente no peito da Virgem:

“MICHEL. ANGELUS BONAROTUS FLORENT. FACIEBAT”
(“Michelangelo Buonarroti, florentino, fez esta obra.”)

O atentado de 21 de maio de 1972

No dia 21 de maio de 1972, domingo de Pentecostes, a tranquilidade da Basílica de São Pedro foi abruptamente interrompida. Durante o início da manhã, um homem aproximou-se da Pietà, então exposta sem proteção, e, empunhando um martelo, golpeou violentamente a escultura, gritando em inglês:

“Eu sou Jesus Cristo ressuscitado dos mortos!”

O agressor era Laszlo Toth, um geólogo húngaro residente na Austrália, que sofria de perturbações mentais. Em segundos, desferiu 12 golpes sobre a obra.

Os danos foram devastadores:

  • o braço esquerdo da Virgem foi arrancado ao nível do cotovelo;
  • parte do nariz e da pálpebra foram destruídas;
  • fragmentos de mármore espalharam-se pelo chão da basílica.

Fiéis horrorizados intervieram, e o atacante foi imobilizado. Muitos pedaços da escultura foram recolhidos por peregrinos — alguns guardados como relíquias por devoção, o que complicou o processo posterior de restauro.

A resposta imediata e o início da restauração

O atentado causou consternação mundial. A Santa Sé encerrou imediatamente a área, e especialistas do Museu do Vaticano começaram a recolher minuciosamente todos os fragmentos possíveis. O restauro foi confiado a uma equipa liderada pelo perito Giovanni Carbonara, que durante meses estudou fotografias, moldes antigos e o próprio mármore danificado.

O trabalho de restauração foi inteiramente manual, combinando técnicas clássicas e científicas. Foram utilizados microscópios e resinas transparentes para colar as minúsculas lascas originais, enquanto as partes irrecuperáveis — como o nariz — foram reconstruídas com pó de mármore proveniente da própria estátua, misturado com cola especial.

A intervenção prolongou-se por quase dez meses, e em 8 de setembro de 1973, a Pietà foi novamente apresentada ao público. Para proteger a obra, o Vaticano decidiu colocá-la atrás de um vidro à prova de bala, onde permanece até hoje, no primeiro altar lateral da Basílica de São Pedro, à direita da entrada principal.

A Pietà após o restauro: símbolo de perdão e resiliência

A restauração da Pietà foi mais do que uma operação técnica; foi um ato de reparação espiritual. O Papa Paulo VI, que acompanhou de perto o processo, afirmou que a escultura “voltaria a falar ao mundo do amor que tudo sofre e tudo perdoa”.

O atentado, embora trágico, acentuou ainda mais a dimensão humana e divina da obra. A Virgem ferida, restaurada com amor e paciência, tornou-se um símbolo da Igreja ferida mas sempre viva, que continua a apresentar Cristo ao mundo, mesmo após as violências da história.

Curiosidades e legado

  • Após o ataque, o Vaticano nunca apresentou queixa criminal formal contra Laszlo Toth, que foi internado num hospital psiquiátrico em Itália e, mais tarde, deportado para a Austrália.
  • O episódio levou os Museus do Vaticano a rever as medidas de segurança de todas as suas obras-primas.
  • Em 1999, por ocasião dos 500 anos da escultura, o Vaticano organizou uma exposição especial que relembrou o processo de criação e restauração da Pietà, sublinhando a sua importância teológica e artística.
  • A Pietà inspirou inúmeras réplicas e estudos, tornando-se um dos ícones mais reconhecidos do cristianismo e da arte renascentista.

Conclusão: a beleza que renasce da ferida

A história da Pietà de Michelangelo é, em si mesma, uma parábola cristã: a beleza ferida que é restaurada, a dor transformada em amor, a destruição vencida pela esperança.

O atentado de 1972 recorda-nos que mesmo a arte mais sublime não está imune à violência humana — mas também que a graça pode restaurar o que foi quebrado.

Hoje, ao contemplar a Virgem Maria segurando o corpo do Filho, envoltos na luz suave da Basílica de São Pedro, o visitante é convidado a refletir sobre a força do perdão e a eterna capacidade da fé em fazer renascer a beleza, mesmo após o golpe mais duro.

Partilha esta publicação:

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *