Santa Sara Kali, também conhecida simplesmente como Sara a Negra, é uma figura envolta em mistério e devoção, especialmente entre os povos ciganos (rom), que a reconhecem como sua padroeira. Embora não faça parte oficialmente do calendário litúrgico romano da Igreja Católica, a sua veneração é profundamente enraizada em tradições locais, especialmente na região da Provença, no sul de França, e difundiu-se por comunidades ciganas de todo o mundo.
A tradição mais popular associa Santa Sara às chamadas “Três Marias” — Maria Madalena, Maria Salomé e Maria de Cléofas — que, segundo antigos relatos da tradição cristã, teriam fugido da perseguição na Palestina e desembarcado na costa da Gália, no local onde hoje se encontra a vila de Saintes-Maries-de-la-Mer, na Camarga francesa. Conta-se que Sara era uma serva egípcia ou uma mulher local de origem desconhecida, descrita como de pele escura (daí o nome Kali, que significa “negra” em sânscrito e também em alguns dialectos ciganos), que acolheu as santas e se tornou cristã.
A devoção cigana
Para os ciganos, Santa Sara representa acolhimento, compaixão, fé e proteção. Muitos rom vêem nela uma mulher santa que compreende as suas dificuldades, peregrinações e exclusões sociais. A sua imagem é frequentemente representada com mantos coloridos e adornos, pois os devotos cobrem a sua estátua com véus e tecidos como forma de homenagem e gratidão por graças recebidas.
Todos os anos, no dia 24 de maio, milhares de ciganos de diferentes países deslocam-se em peregrinação até Saintes-Maries-de-la-Mer para celebrar Santa Sara. A imagem da santa é levada em procissão até ao mar, num rito profundamente simbólico que recorda a chegada das santas e a fé vivida nas margens da adversidade.
Identidade e significado espiritual
Embora a figura de Santa Sara não tenha sido canonizada pela Igreja Católica, a sua devoção popular é reconhecida e respeitada, especialmente pela forma como expressa a inculturação da fé cristã entre os povos nómadas. Para muitos teólogos e historiadores, a sua figura representa a inclusão de povos marginalizados na história da salvação e uma ponte entre a tradição apostólica e as expressões populares de fé.
O culto a Santa Sara é também um testemunho de como o cristianismo, ao longo dos séculos, foi sendo vivido e reinterpretado pelas diferentes culturas e comunidades, sem perder o essencial: a experiência viva do amor e da misericórdia de Deus.
Mensagem e actualidade
A mensagem de Santa Sara Kali continua actual: ela é símbolo de acolhimento aos peregrinos, consolo aos excluídos e modelo de fé para os que caminham pelas estradas da vida em busca de esperança. Na sua simplicidade e anonimato histórico, a sua figura convida à reflexão sobre os que estão às margens da sociedade e recorda que a santidade não é privilégio de poucos, mas chamada para todos os que vivem com fé e amor no coração.