A escolha do nome papal é um dos momentos mais simbólicos da eleição de um novo Papa. Sempre que um novo pontífice é eleito, uma das primeiras decisões que toma é adoptar um novo nome, diferente do que tinha como cardeal. Mas porquê esta mudança? É obrigatória? O que está por detrás desta tradição? Neste artigo, exploramos a história, os significados e os motivos que levam os Papas a mudarem de nome ao assumirem o ministério petrino.
Origem histórica da mudança de nome
Durante os primeiros séculos do Cristianismo, os Papas mantinham os seus nomes de baptismo. São Pedro, o primeiro Papa, já tinha recebido do próprio Cristo um novo nome (de Simão para Pedro), mas os seus sucessores não imitavam essa prática.
A tradição de mudar de nome começou apenas no século VI. O primeiro Papa a adotar um nome diferente foi João II, eleito em 533. O seu nome de nascimento era Mercúrio, nome de um deus pagão romano. Considerando inapropriado reinar como Papa com um nome pagão, decidiu adoptar o nome cristão de João, em homenagem a São João Baptista ou São João Evangelista.
A partir desse momento, embora não obrigatório, tornou-se prática comum os Papas escolherem um nome novo, principalmente para marcar o início de uma nova missão e evitar nomes considerados impróprios ou estranhos à tradição cristã.
Razões para a mudança de nome
A escolha de um novo nome não é exigida por nenhuma lei da Igreja, mas tornou-se uma tradição enraizada. Entre os principais motivos estão:
1. Sinal de nova missão
Assumir o papado representa uma nova identidade espiritual e pastoral, semelhante ao que ocorre com algumas figuras bíblicas (por exemplo, Abrão tornou-se Abraão; Saulo tornou-se Paulo). O novo nome expressa a transformação interior e o compromisso com o ministério universal.
2. Homenagem a Papas anteriores
Muitos eleitos escolhem nomes de Papas que admiram ou cujas qualidades desejam imitar. Exemplo: João Paulo I escolheu esse nome em homenagem a João XXIII e Paulo VI, seus predecessores imediatos. Bento XVI referiu que escolheu o nome em honra de Bento XV e de São Bento de Núrsia.
3. Afirmação de valores e prioridades
O nome papal é também um sinal programático. Francisco escolheu esse nome em 2013 como clara referência a São Francisco de Assis, expressando o desejo de uma Igreja pobre, simples e próxima dos marginalizados.
4. Evitar nomes inapropriados ou polémicos
Por tradição, evitam-se nomes como Pedro, por respeito ao primeiro Papa (São Pedro), como é exemplo o caso do século X onde o monge beneditino Pedro Canepanova escolheu o nome João XIV, evitando tornar-se “Pedro II”, e também nomes associados a Papas polémicos, como Alexandre VI (Rodrigo Bórgia) ou nomes nunca usados como Judas.
Como é escolhida a mudança de nome
A escolha do nome acontece logo após a aceitação da eleição. Após o cardeal eleito aceitar tornar-se Papa, é-lhe feita a pergunta:
“Com que nome desejas ser chamado?”
O nome escolhido é imediatamente registado e passa a ser usado em todas as comunicações oficiais. O anúncio é feito ao povo pelo cardeal protodiácono, com a famosa frase:
“Annuntio vobis gaudium magnum: habemus Papam! Eminentissimum ac Reverendissimum Dominum, Dominum [nome de batismo do eleito em latim], Sanctae Romanae Ecclesiae Cardinalem [sobrenome do eleito não traduzido para o latim], qui sibi nomen imposuit [nome pontifício, seguido pelo número ordinal, se houver].
(“Anuncio-vos uma grande alegria: temos Papa! É o eminentíssimo e reverendíssimo Sr., … , cardeal da Santa Igreja Romana … que escolheu o nome …”).
Casos notáveis de escolha de nome
- João Paulo I (1978): o primeiro a combinar dois nomes. Quis homenagear os dois Papas anteriores, sinalizando continuidade.
- João Paulo II (1978–2005): escolheu o mesmo nome por respeito ao seu antecessor, falecido após apenas 33 dias de pontificado.
- Bento XVI (2005–2013): quis reforçar os valores espirituais da Europa, a paz e a fidelidade à tradição.
- Francisco (2013–2025): primeiro Papa a escolher este nome, sinal claro de reforma, simplicidade e atenção aos pobres.
Nomes mais populares entre os Papas
Ao longo da história, alguns nomes foram escolhidos repetidamente:
- João: usado por 21 Papas.
- Gregório: 16 vezes.
- Bento: 16 vezes.
- Clemente: 14 vezes.
- Inocêncio: 13 vezes.
- Leão: 13 vezes.
- Pio: 12 vezes.
Esses nomes evocam Papas que deixaram marcas históricas e teológicas importantes.
O nome como símbolo do pontificado
O nome papal é muito mais do que uma formalidade. Ele define a marca pessoal e espiritual do novo Papa, reflectindo o seu estilo, prioridades e visão pastoral. É, portanto, uma espécie de “cartão de visita” para a Igreja e o mundo.
Escolher ser chamado de Francisco não é o mesmo que escolher Leão, João ou Pio. O nome transmite mensagens subtis e profundas, que os fiéis, os media e os líderes mundiais procuram interpretar logo nas primeiras horas após a eleição.
Conclusão
A tradição de mudar de nome ao assumir o papado é um gesto simbólico e carregado de significado, que remonta aos primeiros séculos da Igreja. Não se trata apenas de um novo título, mas de uma declaração de intenções: o Papa mostra, com esse simples gesto, a direcção espiritual que pretende seguir, os valores que quer promover e os modelos que deseja imitar.
Ao longo da história, o nome papal tem sido um espelho da missão do sucessor de Pedro, uma ponte entre o passado e o futuro da Igreja. Cada nome escolhido é um capítulo novo que se escreve na longa e rica história do Cristianismo.