Neste dia, os carmelitas comemoram a transverberação do coração de Santa Teresa de Ávila

A vida mística de Santa Teresa de Ávila, também conhecida como Teresa de Jesus (1515-1582), foi marcada por inúmeras experiências espirituais intensas e extraordinárias. Entre elas, destaca-se a chamada transverberação do coração, um episódio místico que se tornou símbolo da união íntima entre a santa e Deus, e que inspirou a arte, a teologia e a espiritualidade cristã ao longo dos séculos.

O que é a transverberação?

A palavra transverberação vem do latim transverberare, que significa “atravessar com uma lança” ou “traspassar”. Trata-se de uma experiência mística na qual a alma é profundamente tocada pelo amor divino, representado simbolicamente pela ferida causada por um “dardo” ou “seta” inflamada de amor.

Segundo o testemunho da própria Santa Teresa, registado no seu livro “Vida” (capítulo 29), ela descreve a visão de um anjo que, segurando um dardo em chamas, lhe trespassou o coração, deixando-a abrasada pelo amor de Deus:

Via um anjo junto de mim, no lado esquerdo… não era grande, mas pequeno, muito belo, o rosto tão inflamado que parecia um dos anjos muito superiores, que parecem todos abrasados em amor de Deus… Vi-lhe nas mãos um longo dardo de ouro, e na ponta parecia haver um pouco de fogo. Parecia-me que algumas vezes o cravava no meu coração, e que me chegava até às entranhas. Ao retirá-lo, parecia-me que também as levava consigo, e me deixava toda abrasada em grande amor de Deus.

Este relato tornou-se um dos testemunhos místicos mais famosos da história da Igreja.

O significado espiritual

A transverberação não deve ser entendida apenas de forma literal, mas sobretudo como expressão da união mística entre a alma e Deus. Teresa descreve a experiência como uma mistura de dor e prazer, uma ferida espiritual que a deixava “toda abrasada no amor divino”.

No contexto da espiritualidade carmelita e da teologia mística, este fenómeno simboliza:

  • A purificação do coração, através do fogo do Espírito Santo.
  • A entrega total da alma a Deus, marcada por uma experiência intensa de amor.
  • A união transformante, que antecede a plena união mística, etapa culminante da vida espiritual segundo Teresa.

A relíquia do coração transverberado

Após a morte da santa, em 1582, o seu corpo foi objeto de trasladações sucessivas. Quando o coração foi retirado e examinado, verificou-se que apresentava sinais físicos de uma espécie de ferida ou abertura interior, que muitos interpretaram como confirmação da transverberação descrita por ela própria.

O coração incorrupto e com marcas visíveis encontra-se hoje venerado no Convento das Carmelitas Descalças em Alba de Tormes (Salamanca, Espanha), atraindo peregrinos de todo o mundo.

A festa litúrgica

A Igreja reconheceu oficialmente a importância espiritual deste fenómeno e instituiu a festa da Transverberação de Santa Teresa de Jesus, celebrada a 26 de agosto. Esta celebração é sobretudo destacada pela Ordem Carmelita Descalça, que vê neste episódio um sinal da profundidade da vida mística à qual todos são chamados, segundo a sua própria medida.

Representações artísticas

O episódio inspirou várias obras-primas da arte sacra. A mais célebre é a escultura em mármore de Gian Lorenzo Bernini, intitulada O Êxtase de Santa Teresa (1647-1652), localizada na igreja de Santa Maria della Vittoria, em Roma.

Nesta obra, Bernini representa Teresa em êxtase, trespassada pela seta flamejante do anjo, captando com realismo e intensidade a fusão entre dor e êxtase espiritual. A escultura é considerada uma das obras-primas do barroco europeu.

Controvérsias e interpretações

Alguns estudiosos ao longo da história interpretaram a descrição da transverberação como metáfora poética, enquanto outros, mais céticos, sugeriram explicações médicas ou psicológicas.

No entanto, a tradição da Igreja Católica vê o episódio como uma autêntica experiência mística, inscrita no itinerário espiritual de uma das maiores doutoras da Igreja.

Conclusão

A transverberação do coração de Santa Teresa de Jesus permanece como um dos episódios mais marcantes da mística cristã. Mais do que um fenómeno extraordinário, é o testemunho de uma vida inteira consumida pelo amor de Deus.

A ferida no coração de Teresa não foi apenas física, mas sobretudo espiritual: um sinal visível e invisível da sua entrega total a Cristo. Hoje, o episódio continua a inspirar fiéis, religiosos, artistas e estudiosos a buscar uma vida de maior intimidade com Deus, onde o amor divino se torna força transformadora.

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