Poucos lugares em Roma reúnem tanta história e significado espiritual quanto o Panteão, hoje conhecido como Basílica de Santa Maria ad Martyres (“Santa Maria dos Mártires”). O que começou como um templo romano dedicado a todos os deuses tornou-se, pela graça de Deus, um santuário cristão dedicado à Mãe de Deus e a todos os mártires da Igreja.
Esta conversão, que ocorreu no início do século VII, marcou uma das mais belas vitórias do cristianismo sobre o paganismo — não pela destruição, mas pela redenção e consagração do que outrora fora usado para o culto dos falsos deuses.
O Panteão: símbolo da Roma pagã
O Panteão de Roma foi mandado construir entre 27 e 25 a.C. por Marco Vipsânio Agripa, genro do imperador Augusto, como templo dedicado a todos os deuses do panteão romano.
O edifício atual, porém, é o resultado de uma reconstrução ordenada pelo imperador Adriano entre 118 e 125 d.C., após um incêndio ter destruído a estrutura original.
Com o seu domo imponente — o maior do mundo antigo — e a abertura central (óculo) que deixa a luz do céu penetrar, o Panteão simbolizava a união entre o mundo humano e o divino, entre Roma e os deuses. Durante séculos, foi um símbolo da religião imperial e do poder do império sobre o mundo conhecido.
A conversão cristã: a consagração de 609 d.C.
Com o advento do cristianismo, e especialmente após o Édito de Milão (313 d.C.), muitos templos pagãos foram abandonados ou transformados em igrejas.
Mas foi apenas em 13 de maio de 609 d.C. que o Panteão recebeu oficialmente uma nova consagração cristã.
O Papa Bonifácio IV (pontificado de 608–615) pediu ao imperador bizantino Fócio que lhe concedesse o edifício, já então desativado e em ruínas. O imperador autorizou a doação, e o Papa ordenou que o templo fosse purificado de todos os vestígios pagãos.
Nesse mesmo ano, Bonifácio IV mandou transportar das catacumbas romanas mais de vinte e oito carroças de ossos de mártires cristãos, que foram solenemente sepultados sob o altar principal do antigo templo. Assim, o Panteão tornou-se um santuário dedicado à Virgem Maria e a todos os mártires — “Sancta Maria ad Martyres”.
A cerimónia de consagração, realizada a 13 de maio de 609, marcou a entrada definitiva do edifício no serviço de Deus. A data escolhida deu origem à antiga festa de Todos os Mártires, que mais tarde seria ampliada pelo Papa Gregório III e fixada, no século IX, como a Solenidade de Todos os Santos celebrada a 1 de novembro.
O significado espiritual da transformação
O ato de Bonifácio IV foi profundamente simbólico. Em vez de destruir o templo pagão, a Igreja purificou-o e consagrou-o a Cristo e à sua Mãe Santíssima.
Assim, aquilo que outrora fora casa dos deuses falsos tornou-se casa do verdadeiro Deus, e o local onde se ofereciam sacrifícios idólatras passou a ser o altar do Sacrifício Eucarístico.
Esta transformação recorda a própria vocação da Igreja: redimir o mundo, não pela aniquilação, mas pela transformação e santificação daquilo que é humano.
O nome “Santa Maria dos Mártires” reflete esta união entre a Mãe de Deus e os testemunhos de fé que derramaram o seu sangue por Cristo, sendo Maria apresentada como Rainha dos Mártires e intercessora junto do seu Filho.
A visão da Beata Ana Catarina Emmerich
A mística Beata Ana Catarina Emmerich (1774–1824), nas suas visões sobre a história da Igreja, também relatou episódios relacionados com a conversão do Panteão. Segundo os seus relatos místicos, o Papa Bonifácio IV recebeu em oração a inspiração divina para consagrar o edifício à Virgem Maria, a fim de reparar os séculos de idolatria ali praticados.
A beata descreveu que viu, numa visão a 13 de maio de 1820, anjos purificando o templo e removendo os antigos demónios pagãos que o habitavam. Depois, viu a Virgem Santíssima entrar no edifício, acompanhada de uma multidão luminosa de mártires, ocupando o espaço com luz e graça celestial.
Para Ana Catarina Emmerich, a transformação do Panteão foi um símbolo profético da vitória de Cristo sobre o mundo pagão e um sinal do poder santificador da Igreja, que transforma o que era profano em instrumento de salvação.
Curiosidades e marcos históricos
- Ano 608 d.C. — O imperador Focas doa o Panteão ao Papa Bonifácio IV.
- 13 de maio de 609 d.C. — Cerimónia de consagração do templo como Santa Maria ad Martyres.
- Século VIII — O Papa Gregório III amplia a festa de “Todos os Mártires” a “Todos os Santos”.
- Século XIII — O edifício é restaurado e volta a ser centro de peregrinação.
- Anno Domini 1435 — O Papa Eugénio IV concede indulgências especiais aos fiéis que rezem diante do altar dos Mártires.
- Ano de 1747 — O Papa Bento XIV eleva o templo à dignidade de Basílica Menor, reconhecendo oficialmente o seu valor histórico e espiritual.
- Séculos XIX–XX — O Panteão torna-se também um panteão nacional italiano, acolhendo os túmulos de reis, artistas e santos.
Apesar dessa dimensão cultural, o templo nunca deixou de ser uma igreja viva, onde diariamente se celebra a Santa Missa e se veneram os mártires e a Virgem Maria.
Significado espiritual para os nossos dias
A conversão do Panteão recorda aos cristãos de hoje que a fé não destrói, mas transforma. O cristianismo, ao longo dos séculos, iluminou e purificou as culturas, consagrando o que é humano à glória de Deus.
Ao mesmo tempo, este episódio convida à reflexão sobre o papel de Maria: assim como a Mãe de Deus entrou no antigo templo pagão para o transformar em morada divina, também o seu amor materno pode transformar os corações humanos, purificando-os e conduzindo-os a Cristo.
Conclusão
A história da Basílica de Santa Maria ad Martyres é uma das páginas mais luminosas da história cristã.
A 13 de maio de 609, Roma deixou de ter um templo dedicado a todos os deuses e ganhou um santuário dedicado à Mãe de Deus e a todos os mártires do Céu.
O antigo Panteão tornou-se, assim, símbolo da redenção da humanidade, imagem da vitória da luz sobre as trevas e testemunho da perene missão da Igreja: transformar o mundo pela graça de Cristo.