A história da Igreja está repleta de episódios que, mais do que simples narrativas, se tornam verdadeiros ícones espirituais. Um dos mais belos relatos encontra-se nos Diálogos de São Gregório Magno (Livro II, capítulo 33) e diz respeito à última visita de São Bento de Núrsia à sua irmã, Santa Escolástica, poucos dias antes desta morrer. Este encontro entre os dois santos é não só um testemunho profundo do amor fraterno, mas também uma lição sobre a primazia da caridade e da oração sobre qualquer regra ou disciplina monástica.
O encontro dos irmãos
São Bento e Santa Escolástica eram irmãos gémeos, ambos dedicados à vida consagrada. Enquanto Bento fundava a célebre Ordem Beneditina e estruturava a sua Regra, que marcaria a vida monástica no Ocidente, Escolástica vivia consagrada a Deus num mosteiro feminino próximo de Monte Cassino.
Segundo narra São Gregório Magno, três dias antes da morte de Santa Escolástica, os dois irmãos encontraram-se numa casa situada a meio caminho entre os mosteiros, como era habitual uma vez por ano. Passaram o dia inteiro em conversas santas, meditando sobre as coisas de Deus e fortalecendo os laços de fé e fraternidade.
A oração de Santa Escolástica
Quando chegou a noite, São Bento preparava-se para regressar ao mosteiro, fiel à sua regra que proibia os monges de passar a noite fora. Porém, Santa Escolástica, sentindo que a morte estava próxima, pediu-lhe insistentemente que permanecesse com ela até ao amanhecer, para continuarem a falar das maravilhas divinas.
Bento recusou, invocando a regra. Então, Escolástica, com coração humilde e fé ardente, dirigiu-se a Deus em oração. De repente, uma tempestade violenta de chuva e trovões caiu sobre o local, tornando impossível a saída de São Bento. Diante do inesperado, Bento lamentou:
“Que fizeste, irmã?”
Ao que Santa Escolástica respondeu:
“Pedi-te e não quiseste ouvir-me; pedi ao meu Senhor e Ele ouviu-me. Agora, parte se puderes; deixa-me e volta para o teu mosteiro.”
São Gregório comenta que Bento ficou impressionado, e os dois passaram a noite em oração e diálogo espiritual.
A morte de Santa Escolástica
Três dias depois, em 10 de fevereiro do ano 543, Santa Escolástica faleceu. São Bento, recolhido no seu mosteiro, viu a sua alma subir ao céu em forma de pomba branca, sinal da pureza e do amor com que vivera.
O corpo de Escolástica foi levado ao mosteiro de Monte Cassino, onde foi sepultada no túmulo que Bento tinha preparado para si próprio. Poucos meses depois, o próprio São Bento viria a falecer e ser sepultado junto da sua irmã, como que testemunhando a união indissolúvel que tiveram na vida e na eternidade.
O significado espiritual do episódio
O relato da última visita de São Bento a Santa Escolástica encerra várias lições espirituais:
- Primazia da caridade: Bento seguia a regra, mas Escolástica mostrou-lhe que a caridade e o amor fraterno estão acima de qualquer disciplina.
- Força da oração: O poder da súplica confiante de Escolástica foi capaz de mover a natureza, mostrando como Deus escuta os corações humildes.
- Unidade da vida consagrada: Ambos representam o modelo de vida entregue a Deus, ele como pai dos monges do Ocidente, ela como expressão da dimensão feminina da vida monástica.
- Esperança na vida eterna: O símbolo da pomba que leva a alma de Escolástica ao céu reforça a certeza da ressurreição e da comunhão eterna com Deus.
Conclusão
O encontro entre São Bento e Santa Escolástica continua a inspirar monges, religiosas e leigos. Não é apenas uma história de dois irmãos santos, mas um convite a valorizar a oração, a fraternidade e a caridade como caminhos seguros para Deus.