A eleição de Karol Józef Wojtyła como Papa João Paulo II, a 16 de outubro de 1978, marcou um dos acontecimentos mais significativos do século XX, não apenas para a Igreja Católica, mas também para o panorama político, cultural e espiritual mundial. A escolha de um pontífice vindo do Leste Europeu, o primeiro não italiano em mais de quatro séculos, simbolizou uma viragem profunda num período marcado pela Guerra Fria, pelo avanço do secularismo e pela necessidade de renovação da Igreja após o Concílio Vaticano II.
Contexto histórico: dois conclaves em poucos meses
O ano de 1978 ficou conhecido como o “ano dos três papas”. A 6 de agosto desse ano, faleceu o Papa Paulo VI, que havia guiado a Igreja durante quinze anos e concluído o Concílio Vaticano II. O conclave que se seguiu elegeu o Patriarca de Veneza, Cardeal Albino Luciani, que tomou o nome de João Paulo I, uma homenagem direta aos seus dois predecessores, João XXIII e Paulo VI.
No entanto, a alegria pela nova eleição durou pouco. João Paulo I faleceu subitamente a 28 de setembro de 1978, após apenas 33 dias de pontificado, um dos mais breves da história. A morte inesperada mergulhou a Igreja num sentimento de luto e surpresa, obrigando à convocação de um novo conclave, que começaria em 14 de outubro de 1978.
O conclave de outubro de 1978
Reuniram-se 111 cardeais de todo o mundo na Capela Sistina, sob o olhar do Juízo Final de Michelangelo, para escolher o novo Sucessor de Pedro. A Igreja enfrentava desafios significativos: a necessidade de aplicar as reformas do Concílio Vaticano II, a crise vocacional, as tensões políticas entre Oriente e Ocidente e a busca por uma nova linguagem capaz de dialogar com o mundo moderno.
Entre os nomes mais mencionados estavam os cardeais Giuseppe Siri (arcebispo de Génova), Giovanni Benelli (arcebispo de Florença e antigo colaborador próximo de Paulo VI) e Corrado Ursi (arcebispo de Nápoles). No entanto, à medida que as votações avançavam, surgiu uma figura até então menos provável: o cardeal Karol Wojtyła, arcebispo de Cracóvia, na Polónia comunista.
A eleição de Karol Wojtyła
Na oitava votação, realizada a 16 de outubro de 1978, Karol Wojtyła obteve a maioria necessária dos votos. O decano do Colégio Cardinalício, Cardeal Pericle Felici, aproximou-se dele e perguntou-lhe a fórmula tradicional:
“Aceitas a tua eleição como Sumo Pontífice?”
Wojtyła respondeu afirmativamente e, quando questionado sobre o nome que escolheria, respondeu:
“João Paulo II — em honra do meu predecessor João Paulo I e como sinal de continuidade e renovação.”
Minutos depois, o fumo branco elevou-se da chaminé da Capela Sistina, e o anúncio ressoou na Praça de São Pedro:
“Habemus Papam!”
Pela primeira vez em 455 anos, o novo Papa não era italiano, o último tinha sido Adriano VI, natural dos Países Baixos, em 1522.
A primeira aparição e as palavras que marcaram uma era
Quando João Paulo II apareceu na varanda central da Basílica de São Pedro, o povo ficou intrigado ao ouvir um sotaque diferente e um nome até então pouco conhecido. O novo Papa começou o seu pontificado com palavras simples e poderosas, que definiriam todo o seu ministério:
“Não tenhais medo! Abri, antes, escancarai as portas a Cristo!”
Estas palavras tornaram-se o lema espiritual do seu pontificado, convidando os cristãos a não temer o diálogo com o mundo e a renovar a sua fé com coragem.
Um Papa vindo do Leste: o impacto mundial
A eleição de um Papa polaco teve enorme repercussão internacional. A Polónia vivia sob o regime comunista e, com a chegada de um pontífice vindo de detrás da “Cortina de Ferro”, muitos viram um sinal de esperança para os povos oprimidos pelo ateísmo de Estado.
João Paulo II tornou-se rapidamente uma figura de dimensão global. A sua primeira viagem apostólica à Polónia, em junho de 1979, teve um impacto profundo na sociedade polaca, despertando um sentimento de liberdade e fé que viria a inspirar o movimento Solidarność (Solidariedade) e, mais tarde, contribuir para o colapso do bloco comunista europeu.
Um pontificado que começou em missão
Desde o início, João Paulo II mostrou que o seu pontificado seria marcado pela proximidade com os povos. Tornou-se o Papa mais viajado da história, visitando 129 países e levando a mensagem cristã aos cinco continentes. A sua eleição também revitalizou a juventude católica, culminando na criação das Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ), um dos legados mais duradouros da sua missão.
O significado espiritual da eleição
A escolha de João Paulo II simbolizou uma Igreja em saída, missionária, capaz de ultrapassar fronteiras linguísticas, políticas e culturais. Representou também o reconhecimento da universalidade da Igreja Católica, que não se limita a uma nação ou continente.
A partir daquele 16 de outubro de 1978, o mundo assistiu ao início de um pontificado que duraria 26 anos, o terceiro mais longo da história moderna, marcado por fé, coragem, diálogo e um profundo amor pela humanidade.
Conclusão
A eleição de São João Paulo II foi mais do que uma mudança de pontífice; foi o início de uma nova era na Igreja. O “Papa vindo de um país distante”, como ele próprio disse, trouxe ao coração do catolicismo uma visão renovada da fé, centrada na dignidade humana, na misericórdia e na presença de Cristo no mundo contemporâneo.
O seu pontificado começaria com um apelo que ecoa até hoje:
“Não tenhais medo de abrir as portas a Cristo!”
E, de facto, foi abrindo essas portas, nas nações, nos corações e na própria Igreja, que João Paulo II se tornou um dos maiores Papas da história.