A noite de 7 de junho de 1896 ficou gravada na história de Barcelona e na memória da Igreja espanhola. Durante a solene Procissão de Corpus Christi, uma das celebrações mais veneradas do calendário litúrgico, uma bomba foi lançada sobre os fiéis que seguiam em oração pelas ruas da cidade. O atentado deixou 12 mortos e cerca de 70 feridos, muitos deles simples devotos que participavam no cortejo eucarístico.
A procissão, que proclamava publicamente a presença real de Cristo na Eucaristia, foi subitamente transformada num cenário de dor e consternação. A explosão, ocorrida na Rua Canvis Nous, espalhou o pânico e chocou toda a Espanha. O gesto, além da sua brutalidade, representava também um ataque direto à fé católica e ao que ela significava para a sociedade da época.
Contexto histórico: fé e tensão social
O final do século XIX foi um tempo de grandes mudanças e tensões em Barcelona. A cidade crescia rapidamente com a industrialização, mas também sofria com desigualdades sociais, greves e conflitos entre trabalhadores e patrões. Nesse ambiente, o anarquismo ganhava força entre os operários e, infelizmente, alguns grupos extremistas recorriam à violência como forma de protesto.
O Corpus Christi, festa de adoração e louvor a Jesus Eucarístico, era também uma das expressões mais públicas e visíveis da fé católica, e, por isso, um alvo simbólico para quem via na Igreja um pilar da ordem social vigente.
A explosão e as suas consequências
Naquela noite de junho, a bomba lançada do alto de um edifício caiu entre os fiéis que seguiam o Santíssimo Sacramento. O horror foi imediato. A multidão dispersou-se em pânico, os sinos tocaram em desespero, e as autoridades reagiram com grande severidade.
O atentado levou à prisão de dezenas de pessoas, sobretudo anarquistas e simpatizantes do movimento operário. Entre os acusados esteve Tomás Ascheri, de origem italiana, condenado e executado no ano seguinte. No entanto, a investigação e os julgamentos, conhecidos como os Processos de Montjuïc, foram marcados por abusos, torturas e confissões forçadas, o que deixou uma profunda mancha na justiça espanhola da época.
Fé perseguida e purificada
Do ponto de vista espiritual, este trágico episódio foi vivido pela Igreja como um ato de martírio coletivo: um ataque não apenas a pessoas, mas à própria fé eucarística. A Eucaristia, sacramento do amor e da unidade, tornou-se paradoxalmente o ponto de partida de uma violência que expôs as feridas de uma sociedade dividida entre fé e revolta.
As comunidades católicas reagiram com orações públicas de reparação, adoração eucarística e um renovado esforço de evangelização. Muitas paróquias de Barcelona e arredores realizaram procissões de desagravo, reafirmando que “onde abundou o pecado, superabundou a graça” (Rm 5,20).
O legado do atentado
Com o passar dos anos, o atentado da Procissão de Corpus Christi tornou-se um símbolo duplo: da intolerância ideológica que tantas vezes se levanta contra a fé, mas também da perseverança cristã que transforma o sofrimento em testemunho.
Os Processos de Montjuïc, injustos e desumanos, deixaram uma marca dolorosa na história espanhola, mas também despertaram um debate sobre os direitos humanos e a dignidade da pessoa. A fé católica, mesmo ferida, continuou a florescer em Barcelona, e hoje, a cidade que foi palco daquela dor é também um centro vibrante da vida eclesial e da devoção eucarística.
Conclusão: quando o ódio encontra a fé
O atentado de 1896 recorda-nos que a fé, quando vivida em público, pode ser posta à prova, mas nunca destruída. O Corpus Christi continua a ser celebrado todos os anos em Barcelona e em todo o mundo como sinal da presença viva de Cristo entre nós.
A tragédia de então converteu-se, com o tempo, numa memória de esperança: onde o ódio tentou apagar a luz da fé, Deus fez surgir ainda mais fortemente o testemunho do amor.
“O Senhor permanece fiel em todas as suas palavras e santo em todas as suas obras.”
— Salmo 144, 13