A história do Papa Pio VI (Giovanni Angelo Braschi) é uma das mais dramáticas e comoventes de todo o papado. Último Papa do século XVIII, viveu num tempo de revoluções e guerras que abalaram o mundo e colocaram a Igreja numa das suas maiores provações. Capturado pelas tropas de Napoleão Bonaparte, exilado e morrendo prisioneiro em solo estrangeiro, Pio VI tornou-se símbolo de fidelidade até ao fim.
O seu funeral, presidido mais tarde pelo seu sucessor, o Papa Pio VII, foi mais do que uma cerimónia fúnebre — foi o testemunho da vitória da fé sobre a violência política, e a confirmação de que, mesmo quando o poder humano tenta silenciar a Igreja, o Espírito Santo nunca a abandona.
A Captura e Prisão do Papa Pio VI
Em 1796, as tropas francesas sob o comando de Napoleão Bonaparte invadiram os Estados Pontifícios, impondo pesadas condições ao Papa Pio VI. Dois anos mais tarde, após o assassinato de um general francês em Roma, as forças revolucionárias ocuparam a cidade e proclamaram a República Romana.
O Papa, então com 81 anos de idade, foi declarado prisioneiro de Estado. Em 20 de fevereiro de 1798, foi forçado a abandonar o Vaticano e levado de cidade em cidade — Siena, Florença, Parma, Piacenza e Turim — até ser finalmente conduzido para Valence, no sudeste de França.
Durante o percurso, foi tratado com rudeza, privado dos seus bens e separado dos colaboradores mais próximos. O velho pontífice, doente e enfraquecido, foi obrigado a assinar documentos de rendição e a abandonar Roma, o coração da cristandade. A sua deportação foi uma tentativa de humilhar a Igreja e o papado, mas acabou por se transformar num testemunho de fé e resistência.
A Morte em Exílio
O Papa Pio VI chegou a Valence, na região de Drôme, em julho de 1799. Instalado num antigo mosteiro transformado em prisão, resistiu com dignidade aos sofrimentos da idade e da solidão.
Faleceu em 29 de agosto de 1799, após meses de enfermidade, com 82 anos, tendo sido o primeiro e único Papa da história a morrer prisioneiro político fora de Roma.
As autoridades francesas, desejando evitar que a sua morte se tornasse num ato de veneração pública, ordenaram que fosse enterrado sem pompa, num cemitério comum, com apenas uma discreta inscrição identificando-o como “Citizen Braschi, ex-Bishop of Rome” — “Cidadão Braschi, ex-bispo de Roma”.
Contudo, mesmo em morte, Pio VI não foi esquecido. O seu exemplo de fidelidade ao Evangelho e à Sé de Pedro tornou-se motivo de devoção entre os fiéis e de arrependimento para alguns dos seus algozes.
O Funeral Solene Presidido por Pio VII
A morte de Pio VI não pôs fim ao seu testemunho. Com a queda de Napoleão e a reabertura da Sé Apostólica, foi eleito em 1800 o novo pontífice: Pio VII (Barnaba Chiaramonti), um monge beneditino que fora discípulo e amigo de Pio VI.
Pio VII fez questão de reabilitar a memória do seu predecessor. Solicitou oficialmente ao governo francês a devolução dos restos mortais de Pio VI, e em 1802 foi autorizada a transladação do corpo para Roma.
A urna com os restos do Papa mártir foi recebida com grande solenidade na cidade eterna e levada para a Basílica de São Pedro, onde o novo Papa presidiu às exéquias solenes.
Durante a cerimónia, Pio VII declarou:
“Aquele que foi humilhado por homens será exaltado por Deus.”
O corpo de Pio VI foi finalmente sepultado na Basílica de São Pedro, a 19 de fevereiro, onde repousa até hoje, sob um monumento erguido em sua memória, projetado pelo escultor Antonio Canova. O monumento, de extraordinária beleza, apresenta o Papa em atitude de oração, sereno, como quem perdoa os seus perseguidores.
Um Papa Mártir da Fidelidade
O Papa Pio VI é recordado não apenas pela sua prisão e sofrimento, mas pela sua firmeza doutrinal e coragem pastoral. Mesmo prisioneiro, recusou assinar qualquer documento que comprometesse a fé católica.
O seu exemplo inspirou o próprio Pio VII, que, anos depois, também seria feito prisioneiro por Napoleão, permanecendo cativo entre 1809 e 1814, e suportando a perseguição com a mesma serenidade do seu predecessor.
Assim, ambos os papas encarnaram o espírito de testemunho silencioso, provando que a força da Igreja não reside nas armas nem nos palácios, mas na fidelidade ao Evangelho.
De Pio VI a Bento XVI e Francisco — Continuidade na Humildade
O drama e a fé de Pio VI ecoam, de certo modo, na história recente da Igreja.
Em 2022, quando o Papa Emérito Bento XVI faleceu, foi o Papa Francisco quem presidiu ao seu funeral na Praça de São Pedro — um acontecimento histórico e sem precedentes na era moderna. Foi a primeira vez em mais de dois séculos que um Papa sepultava o seu predecessor, tal como Pio VII fizera com Pio VI.
A diferença, contudo, revela o quanto o papado evoluiu:
- Pio VI morrera como prisioneiro de guerra, abandonado e humilhado;
- Bento XVI faleceu em paz e liberdade, amado pela Igreja, depois de um pontificado de fé e razão;
- E Francisco, ao presidir ao seu funeral, mostrou ao mundo a fraternidade e continuidade apostólica que unem os sucessores de Pedro através dos tempos.
Ambos os momentos — separados por mais de dois séculos — expressam uma mesma verdade: a Igreja é perene, mesmo quando o mundo muda. Os papas passam, mas Pedro permanece.
Conclusão
O funeral de Pio VI, presidido por Pio VII, é um capítulo de fé e redenção na história da Igreja. O Papa que morreu prisioneiro e humilhado regressou triunfalmente a Roma, lembrando ao mundo que o poder de Cristo se manifesta na fraqueza e na fidelidade até ao fim.
Do exílio de Valence ao altar da Basílica de São Pedro, a sua vida foi uma peregrinação de cruz e glória. E hoje, à luz do testemunho de Bento XVI e Francisco, o seu exemplo ressoa com nova atualidade: o Papa é, antes de tudo, servo dos servos de Deus, chamado a testemunhar, com humildade e coragem, o amor de Cristo em qualquer tempo e circunstância.