Neste dia, em 1536, a Inquisição era instituída em Portugal através de bula papal

A Inquisição Portuguesa foi uma das instituições mais marcantes e controversas da história de Portugal. Criada no século XVI, com o objetivo de combater a heresia e proteger a pureza da fé católica, transformou-se num poderoso instrumento religioso, político e social que influenciou profundamente a vida do país durante mais de dois séculos e meio.

Origens e contexto da criação

A Inquisição teve origem na Idade Média, quando a Igreja Católica instituiu tribunais eclesiásticos para combater heresias que ameaçavam a ortodoxia cristã. Em Portugal, o tribunal inquisitorial foi criado mais tarde do que em outros países europeus.

O rei D. João III, com o apoio do Papa Paulo III, instaurou oficialmente a Inquisição Portuguesa a 23 de maio de 1536, através da bula “Cum ad nihil magis“. A principal motivação inicial foi combater os chamados “cristãos-novos”, judeus convertidos ao cristianismo após a expulsão dos judeus de 1496, mas que eram suspeitos de manter práticas judaicas secretas.

A Inquisição portuguesa foi inspirada no modelo espanhol, mas tinha uma característica particular: era fortemente controlada pelo rei, o que lhe conferia uma dimensão política além da religiosa.

Organização e funcionamento

O Santo Ofício da Inquisição tinha o seu tribunal principal em Lisboa, mas contava também com tribunais regionais em Coimbra, Évora e, posteriormente, Goa, no império ultramarino.

À frente da instituição estava o Inquisidor-Geral, nomeado pelo Papa, mas escolhido entre prelados da confiança do monarca. A Inquisição possuía prisões próprias, censores, notários e oficiais, e uma rede de informadores espalhados por todo o território.

Os acusados eram frequentemente denunciados de forma anónima, o que gerava um clima de medo e desconfiança generalizada. Bastava uma suspeita de heresia, feitiçaria, blasfémia ou leitura de livros proibidos para ser preso e interrogado.

Métodos de punição e interrogatórios

As técnicas inquisitoriais baseavam-se na confissão do réu como elemento central de prova. Os interrogatórios podiam ser prolongados e, em muitos casos, incluíam tortura física e psicológica para obter confissões.

Entre os métodos de punição, destacavam-se:

  • Penitências espirituais, como rezas, peregrinações ou jejuns.
  • Multas e confisco de bens, que serviam também como fonte de receita para o tribunal.
  • Uso de sambenitos (túneis penitenciais com inscrições e símbolos) como forma de humilhação pública.
  • Prisão perpétua ou condenação às galés (trabalho forçado em navios).
  • E, em casos mais graves, a pena de morte na fogueira, especialmente aplicada a hereges reincidentes.

Os Autos de Fé

Os Autos de Fé eram cerimónias públicas de grande aparato e teatralidade, nas quais se liam as sentenças dos réus condenados pelo Santo Ofício. Estes eventos decorriam muitas vezes em praças centrais, com a presença de altas autoridades civis e eclesiásticas, e eram acompanhados de missa e procissões.

Os condenados podiam ser absolvidos, penitenciados ou entregues ao braço secular, ou seja, às autoridades civis, que executavam as penas capitais.

O primeiro auto de fé da história do Santo Ofício lusitano aconteceu em Lisboa a 26 de setembro de 1540.

Os autos de fé mais célebres realizaram-se em Lisboa, Coimbra e Évora, reunindo milhares de espectadores. Um dos mais conhecidos foi o Auto de Fé de 1646 em Lisboa, assistido pelo rei D. João IV, onde dezenas de pessoas foram queimadas vivas por heresia.

Principais opositores e críticas

Apesar da sua força, a Inquisição encontrou resistência de vários setores. Alguns intelectuais e clérigos consideravam os métodos inquisitoriais excessivos e incompatíveis com o espírito cristão.

Entre os opositores mais notáveis destacam-se o Padre António Vieira, jesuíta e pregador célebre, que criticou abertamente os abusos do Santo Ofício e foi por ele mesmo julgado em 1663, e Marquês de Pombal, no século XVIII, que combateu o poder da Inquisição e das ordens religiosas, especialmente dos jesuítas, no contexto das reformas iluministas.

Além das críticas internas, o avanço do Iluminismo e da razão científica na Europa contribuiu para o progressivo questionamento da autoridade e da legitimidade da Inquisição.

Declínio e extinção da Inquisição Portuguesa

O declínio da Inquisição começou no século XVIII, em grande parte devido às reformas pombalinas. O Marquês de Pombal, ministro de D. José I, via o Santo Ofício como um entrave ao progresso e à modernização do Estado.

Em 1773, Pombal aboliu o estatuto de “cristão-novo”, uma das principais justificações para a existência da Inquisição. A censura e os tribunais inquisitoriais foram progressivamente limitados, e a instituição perdeu a sua força política e social.

A extinção formal da Inquisição Portuguesa ocorreu em 1821, durante as Cortes Constituintes Liberais, após a Revolução de 1820. O edifício do Palácio dos Estaus, em Lisboa, que servira como sede do tribunal, foi mais tarde transformado no Teatro Nacional D. Maria II, simbolizando o triunfo da liberdade sobre a intolerância.

Legado histórico e cultural

A Inquisição deixou uma marca profunda na história de Portugal. O seu legado inclui não apenas o sofrimento de milhares de vítimas — cristãos-novos, hereges, bruxas, estrangeiros e pensadores —, mas também um impacto duradouro na mentalidade coletiva, fomentando o medo, a censura e a repressão intelectual.

Por outro lado, o estudo da Inquisição oferece uma janela sobre a complexa relação entre fé, poder e sociedade. A sua história recorda os perigos da intolerância e da instrumentalização da religião para fins políticos.

Hoje, os arquivos da Inquisição, preservados na Torre do Tombo, são uma das mais ricas fontes documentais sobre a vida quotidiana, a religiosidade e a cultura portuguesa entre os séculos XVI e XIX, permitindo compreender tanto os excessos do passado como a importância da liberdade de consciência no presente.

Conclusão

Em síntese, a Inquisição Portuguesa foi uma instituição nascida do zelo religioso, mas que acabou por se tornar símbolo de perseguição e controlo social. O seu fim marcou o início de uma nova era em Portugal, pautada por ideais de tolerância, racionalidade e respeito pela liberdade de crença, valores que definem a modernidade europeia.

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