No dia 24 de fevereiro de 1208, um jovem chamado Francisco Bernardone, mais conhecido como São Francisco de Assis, tomou uma das decisões mais radicais e transformadoras da história da Igreja: renunciar à vida de riquezas e privilégios para abraçar a pobreza evangélica. Esse gesto, aparentemente simples, marcou o início de um movimento espiritual que iria influenciar toda a cristandade medieval e dar origem à Ordem dos Frades Menores, conhecidos como Franciscanos.
O contexto da vida de Francisco
Francisco nasceu em 1181 ou 1182, em Assis, numa família de comerciantes ricos. O pai, Pietro Bernardone, era um próspero mercador de tecidos, e a mãe, Pica, uma mulher piedosa que transmitiu ao filho valores de fé. Na juventude, Francisco sonhava com glórias militares e títulos de nobreza, levando uma vida alegre, muitas vezes marcada pela despreocupação e extravagância.
Aos poucos, porém, começou a sentir um vazio interior. A experiência da guerra, a prisão, a doença e, sobretudo, o encontro com os pobres e leprosos foram transformando o seu coração. Francisco passou a ver neles a presença viva de Cristo sofredor.
O momento decisivo: 24 de fevereiro de 1208
A mudança de vida deu-se de modo concreto quando, a 24 de fevereiro de 1208, Francisco participou da Missa na igreja de Santa Maria dos Anjos, em Porciúncula. Na liturgia, foi proclamado o Evangelho segundo São Mateus, capítulo 10, onde Jesus envia os discípulos em missão:
“Não leveis ouro, nem prata, nem dinheiro nos vossos cintos; não leveis alforje para o caminho, nem duas túnicas, nem sandálias, nem cajado; porque o operário é digno do seu alimento.” (Mt 10, 9-10)
Essas palavras penetraram profundamente no coração de Francisco. Ele compreendeu que Deus lhe chamava a seguir Cristo pobre e crucificado, vivendo sem nada possuir, confiando apenas na Providência divina.
A partir desse dia, Francisco vestiu um hábito simples, feito de um pano grosseiro em forma de cruz, amarrou-o com um cordão e passou a viver entre os pobres e marginalizados, pregando a paz, a penitência e o amor de Deus.
O início da fraternidade
A radicalidade da vida de Francisco começou a atrair outros homens desejosos de seguir o mesmo caminho. Entre eles estavam Bernardo de Quintavalle, Pedro Cattani e Egídio de Assis. Pouco a pouco, foram formando uma pequena comunidade fraterna, vivendo em oração, trabalho humilde e caridade para com os mais necessitados.
O grupo não pretendia inicialmente fundar uma ordem, mas apenas viver o Evangelho de modo literal e radical. Contudo, a novidade da sua proposta chamou a atenção e ganhou seguidores rapidamente.
Aprovação da Igreja e fundação da Ordem Franciscana
Em 1209, Francisco e os seus companheiros decidiram apresentar-se ao Papa Inocêncio III, em Roma, para pedir aprovação da sua forma de vida. O pontífice, impressionado com a simplicidade e a sinceridade do grupo, concedeu-lhes uma aprovação oral, autorizando-os a viver segundo o Evangelho.
Esse foi o embrião da futura Ordem dos Frades Menores (Ordo Fratrum Minorum), que cresceu de forma extraordinária durante o século XIII. Os franciscanos tornaram-se um dos movimentos espirituais mais influentes da Igreja, marcados pela pregação itinerante, pela proximidade com o povo e pela defesa da pobreza.
O impacto espiritual da decisão de Francisco
A decisão tomada em 24 de fevereiro de 1208 não foi apenas uma escolha pessoal, mas um ato profético. Francisco mostrou ao mundo que o Evangelho podia ser vivido de forma literal, num tempo em que a Igreja sofria críticas por causa da riqueza e do poder.
A sua opção pela pobreza tornou-se um testemunho de liberdade espiritual e um apelo à conversão. A ordem franciscana não só renovou a vida religiosa, como também deu um contributo imenso para a evangelização, para a teologia (com figuras como São Boaventura e Duns Escoto) e para a cultura cristã no Ocidente.
Conclusão
Aquele dia de fevereiro de 1208 é lembrado como o início de uma nova etapa na vida da Igreja. A decisão de São Francisco de Assis de abandonar tudo para seguir Cristo deu origem a uma das ordens mais importantes e fecundas do catolicismo.
Até hoje, os franciscanos continuam a ser presença viva no mundo, inspirando milhões de fiéis com o testemunho de simplicidade, fraternidade e amor à criação, seguindo o ideal daquele jovem de Assis que escutou a voz do Evangelho e a colocou em prática.