Durante quase três décadas, o dia 25 de dezembro deixou de ser feriado oficial em Cuba. Essa ausência refletia uma fase difícil das relações entre o Estado e a Igreja, num país onde o regime revolucionário procurava redefinir símbolos culturais e religiosos. Em 1997-98, graças a um gesto diplomático e espiritual — pedido do Papa João Paulo II ao Presidente Fidel Castro — o feriado foi reintroduzido. Esse momento assume enorme significado para a Igreja em Cuba e para todo mundo católico.
A remoção do feriado
Após a revolução de 1959, Cuba tornou-se um Estado onde a Igreja católica manteve uma presença restrita. Em dezembro de 1969, o governo de Fidel Castro anunciou que o dia de Natal deixaria de ser feriado nacional. Como exposto por várias fontes:
- O governo alegou que a colheita de cana-de-açúcar precisava de trabalhadores em dia de Natal, entre outros motivos económicos.
- A partir desse momento, o Natal continuou a ser celebrado nas igrejas e em casa, mas não como feriado nacional oficial.
- A Constituição cubana de 1976 definiu o país como “Estado ateu” (até à revisão de 1992), o que tornou a recuperação de feriados de natureza religiosa mais complexa.
Assim, o último Natal celebrado como feriado oficial antes dessa reforma foi o de 1968. Para muitos cubanos, chegava-se ao Natal como a dia de trabalho normal, sem descanso ou celebração pública oficial.
O pedido de João Paulo II e o caminho para a restauração
No outono de 1996, o Papa João Paulo II encontrou-se com Fidel Castro no Vaticano. Nesse encontro, o Papa, refletindo o desejo da comunidade católica cubana, levantou a questão da reintrodução do feriado de Natal em Cuba. Segundo o relato do padre Navarro-Vals, que acompanhou a preparação da visita papal:
“Pedi ao senhor presidente que o Natal fosse celebrado como feriado oficial pela primeira vez desde a Revolução.”
Durante a conversa, Castro expressou as dificuldades, sobretudo ligadas à colheita de açúcar nessa época, mas aceitou a proposta, inicialmente “como este ano apenas”.
No dia 13 de dezembro de 1997, o governo cubano anunciou que o Natal de 25 de dezembro de 1997 seria declarado feriado nacional, um gesto em antecipação da visita de João Paulo II marcada para 21 a 26 de janeiro de 1998.
Em 1 de dezembro de 1998, o Politburo do Partido Comunista de Cuba fez publicação em que recomendava que, a partir daquele momento, o dia 25 de dezembro “fosse considerado feriado para crentes e não-crentes, para fiéis e não fiéis”.
E mesmo que alguns relatórios indiquem que o feriado foi plenamente incorporado em 1998, muitos consideram que a reintrodução prática e oficial já se deu em 1997.
A visita de João Paulo II e o impacto
A visita do Papa João Paulo II a Cuba, de 21 a 26 de janeiro de 1998, foi um marco histórico. No contexto dessa visita, a restauração do feriado assumiu simbolismo de reconciliação e abertura.
Os bispos cubanos referem-se a esta data como “um acontecimento que marcou a história e foi uma bênção para o nosso povo”.
O restabelecimento do feriado permitiu que milhares de cubanos tivessem um dia de descanso oficial no Natal, pudessem participar nas Missas natalícias de modo mais amplo e experienciar, ao menos institucionalmente, o nascimento do Senhor como festa nacional.
Significado para a Igreja e para a sociedade cubana
Para a Igreja em Cuba, este passo representou uma reconciliação pública do Estado com o património cristão da nação. Como assinalado numa declaração da USCCB em 4 de dezembro de 1998, foi um sinal encorajador de abertura à liberdade religiosa.
Para a sociedade cubana em geral, significou o restabelecimento de uma tradição que havia sido posta de lado por décadas — o Natal como feriado, tempo de família, de fé e de pausa.
Contudo, os desafios persistiram: falta de materiais, relógios de trabalho alterados, economia sob stress — e muitos cubanos entenderam que recuperar o feriado não era automaticamente restaurar a festa na sua plenitude.
Além disso, o gesto do Papa e a restauração do feriado tornaram-se símbolo de que a Igreja não desiste de dialogar e de procurar a liberdade de culto, mesmo em contextos difíceis. E que a fé tem um impacto social real: unir famílias, permitir celebração, permitir que o mistério do Natal seja também visível na esfera pública.
Cronologia resumida
- 25 Dezembro 1968 – último Natal como feriado nacional em Cuba antes da suspensão.
- Dezembro de 1969 – o governo de Cuba retira oficialmente o 25 de dezembro da lista de feriados nacionais, alegando razões económicas e de colheita.
- Outono de 1996 – Encontro no Vaticano entre o Papa João Paulo II e Fidel Castro; pedido formal para a restauração do feriado de Natal.
- 13 Dezembro 1997 – anúncio de que o Natal de 25 de dezembro de 1997 seria feriado nacional em Cuba.
- 21-26 Janeiro 1998 – Visita do Papa João Paulo II a Cuba, celebrando o restabelecimento simbólico e oficial do feriado.
- 1 Dezembro 1998 – Politburo cubano declara que o 25 de dezembro deve ser feriado permanente para fiéis e não-fiéis.
Conclusão
A história do Natal em Cuba é um testemunho vivo da força da fé, da perseverança da Igreja e do poder da diplomacia espiritual. Quando João Paulo II — reconhecido como o “Papa do Diálogo” — pediu ao governo cubano a reintrodução do feriado, ele não apenas recuperou um dia no calendário; ele reacendeu a chama da esperança e da liberdade religiosa.
Como católicos, somos chamados a olhar para este episódio como lembrança de que:
- a fé verdadeira busca sempre a presença visível de Deus nas estruturas da sociedade;
- a liberdade de culto é parte essencial da dignidade humana;
- e, por fim, que o Natal não é apenas uma data ou um feriado, mas o Verbo que se fez carne e habitou entre nós (Jo 1,14).
Que em cada 25 de dezembro possamos lembrar que a celebração do nascimento de Cristo quebra cadeias — de gelo exterior, de distanciamento social, de indiferença — e nos reúne como irmãos e irmãs em Cristo. E que mesmo em contextos de adversidade, a luz do Menino-Deus continua a brilhar.