A cidade de Nagasaki, hoje símbolo de destruição nuclear e esperança pela paz, guarda uma história profundamente marcada pela fé católica. Muito antes de ser conhecida como alvo da segunda bomba atómica em 9 de agosto de 1945, Nagasaki era considerada o berço do cristianismo no Japão, uma cidade santificada pelo sangue dos mártires e pela perseverança dos fiéis que mantiveram viva a sua crença durante séculos de perseguição.
As origens do cristianismo no Japão
O cristianismo chegou ao Japão no século XVI, trazido por São Francisco Xavier, missionário jesuíta, que desembarcou em Kagoshima em 1549. A mensagem do Evangelho espalhou-se rapidamente, especialmente na ilha de Kyushu, onde se encontra Nagasaki.
Os missionários, sobretudo jesuítas e franciscanos, encontraram terreno fértil entre os japoneses fascinados pela mensagem de amor e pelo exemplo de vida dos religiosos. A cidade de Nagasaki tornou-se, por volta de 1580, o principal centro católico do Japão, com milhares de batizados, igrejas, colégios e hospitais dirigidos por missionários.
Estima-se que, no final do século XVI, mais de 150 mil japoneses fossem cristãos, e Nagasaki era chamada a “Roma do Oriente”.
Os 26 Mártires de Nagasaki
Contudo, o florescimento da fé enfrentou duras provações. Em 1597, sob o xogunato de Toyotomi Hideyoshi, iniciou-se uma feroz perseguição contra os cristãos. Vinte e seis fiéis — missionários e leigos — foram crucificados numa colina de Nagasaki, a 5 de fevereiro de 1597.
Entre eles encontravam-se São Paulo Miki, jesuíta japonês, e companheiros franciscanos e catequistas locais. Estes “26 Mártires de Nagasaki” foram os primeiros a dar a vida pela fé no Japão, e foram canonizados em 1862 pelo Papa Pio IX.
A perseguição não terminou aí: nos séculos seguintes, dezenas de milhares de cristãos foram mortos, e os sobreviventes foram forçados à clandestinidade. Assim nasceram os “Kakure Kirishitan”, os cristãos ocultos, que durante mais de 250 anos conservaram a fé sem padres, sem missas e sem templos, transmitindo o Evangelho em segredo de geração em geração.
O renascimento da fé e a Catedral de Urakami
Após a abertura do Japão ao Ocidente, no século XIX, os missionários puderam regressar. Em 1865, um episódio comovente marcou a história da Igreja: um grupo de camponeses japoneses aproximou-se do padre francês Bernard Petitjean, em Nagasaki, e disse-lhe em voz baixa: “O nosso coração é igual ao vosso. Nós cremos em Maria”. Esses eram descendentes dos cristãos ocultos — um milagre de fidelidade que comoveu o mundo católico.
No dia 15 de junho de 1891 foi criada canonicamente a diocese de Nagasaki, a qual em 1927 acolheu dom Hayasaka, primeiro bispo japonês, consagrado pessoalmente por Pio IX.
Com o tempo, a comunidade cristã pôde finalmente reconstruir-se, e, em 1895, foi concluída a Catedral de Urakami, a maior igreja da Ásia oriental, erguida precisamente no bairro onde viveram os “cristãos ocultos”. Urakami tornou-se o coração pulsante do catolicismo japonês.
Em 1929 dos 94.096 católicos japoneses, cerca de 63.698 eram de Nagasaki.
9 de agosto de 1945: o dia em que o inferno caiu sobre Nagasaki
Na manhã de 9 de agosto de 1945, às 11h02, a bomba atómica “Fat Man” explodiu sobre Nagasaki. A tragédia atingiu em cheio o bairro de Urakami, o mesmo que era o centro da comunidade católica.
A Catedral de Urakami, onde fiéis se preparavam para a missa, foi completamente destruída. Dentro do templo, dezenas de pessoas morreram instantaneamente — padres, freiras, fiéis e crianças.
Dos cerca de 12 mil católicos que viviam em Nagasaki, mais de 8 mil morreram — quase dois terços de toda a população católica da cidade. Assim, Nagasaki, que durante séculos tinha sido o farol da fé cristã no Japão, tornou-se também símbolo do sofrimento e do martírio moderno.
Entre os sobreviventes, contam-se testemunhos comoventes: padres que deram a absolvição aos moribundos entre as ruínas, religiosas que ajudaram vítimas queimadas, e famílias que, mesmo feridas e sem casa, se reuniram para rezar o rosário em voz baixa, no meio das cinzas.
Muitos questionam: por que foi escolhida para a segunda bomba, entre todas, precisamente a cidade do Japão onde o catolicismo, além de ter a história mais gloriosa, estava mais difundido e afirmado?
A fé que renasceu das cinzas
Apesar da destruição total, a fé não desapareceu. Em 1959, iniciou-se a reconstrução da Catedral de Urakami, inaugurada novamente em 1959, com uma nova imagem da Virgem Maria, conhecida como a “Madonna bombardeada” — uma estátua de Maria decapitada e queimada, encontrada entre os escombros, que se tornou símbolo da paz e da esperança.
Hoje, essa imagem danificada é venerada no local como testemunho do amor de Deus que resiste a todas as guerras. A cidade de Nagasaki ergueu também o Museu da Bomba Atómica e o Parque da Paz, onde se promove o diálogo, a reconciliação e o desarmamento nuclear.
Os Papas e Nagasaki: um lugar de memória e oração pela paz
A ligação dos Papas a Nagasaki é profunda.
- Em 1981, São João Paulo II visitou o Japão e rezou em Nagasaki, proclamando: “A guerra é obra do homem. A guerra é destruição da vida. Nunca mais guerra!”
- Em 2019, o Papa Francisco visitou o Parque da Paz e a Catedral de Urakami, recordando os mártires antigos e os mártires modernos da bomba atómica. Nessa ocasião, afirmou que “o uso da energia nuclear para fins de guerra é imoral” e apelou à humanidade para que aprenda com a dor daquela cidade.
Conclusão
A história do catolicismo em Nagasaki é uma das mais impressionantes narrativas de fé da Igreja universal. Da chegada dos missionários à perseguição, dos mártires à clandestinidade, da reconstrução à tragédia nuclear, a cidade permanece testemunho vivo da força do Evangelho.
O lançamento da bomba atómica não destruiu apenas edifícios, mas ceifou a vida de milhares de fiéis que rezavam ao Deus da paz. No entanto, o sangue dos mártires antigos e modernos continua a fertilizar o solo espiritual do Japão, tornando Nagasaki não apenas um local de memória histórica, mas um santuário de esperança, reconciliação e fé inabalável em Cristo.