Entre as muitas manifestações da presença maternal de Maria ao longo da história, uma das mais comoventes é a de Nossa Senhora do Milagre, também conhecida como Nossa Senhora de Sião. Esta aparição, reconhecida pela Igreja, marcou profundamente o século XIX e deu origem a uma das conversões mais impressionantes já registadas — a de Alphonse Ratisbonne, um jovem judeu francês até então hostil à fé católica.
As origens da devoção
A devoção a Nossa Senhora do Milagre nasce no contexto da aparição ocorrida a 20 de janeiro de 1842, na cidade de Roma, na igreja de Sant’Andrea delle Fratte. O protagonista foi Alphonse Ratisbonne, membro de uma influente família judaica alsaciana. Educado no racionalismo e distante da religião, Ratisbonne via o cristianismo com desconfiança e ironia.
Durante uma viagem a Roma, por insistência de um amigo católico — o Barão de Bussières —, Ratisbonne aceitou levar consigo a Medalha Milagrosa e rezar o Sub tuum praesidium (oração antiga a Nossa Senhora). Poucos dias depois, enquanto visitava a igreja de Sant’Andrea delle Fratte, foi envolvido por uma luz intensa e viu diante de si a Virgem Maria, tal como representada na Medalha Milagrosa.
O impacto foi imediato: Ratisbonne caiu de joelhos, profundamente comovido. Ao regressar à sua hospedagem, declarou-se convertido e pediu o Batismo.
O reconhecimento eclesial
A notícia da conversão espalhou-se rapidamente por Roma, chegando ao Papa Gregório XVI. Um inquérito eclesiástico foi aberto para verificar os factos e, após análise minuciosa, a aparição foi declarada digna de fé. Em 3 de junho de 1842, o Cardeal Patrizi, Vigário Geral do Papa, confirmou oficialmente a autenticidade da graça recebida.
A Igreja reconheceu assim a intervenção sobrenatural, não apenas como um sinal pessoal de conversão, mas como testemunho do poder da intercessão de Maria sobre os corações mais afastados da fé.
A fundação da Congregação de Nossa Senhora de Sião
Tocado pela experiência, Alphonse Ratisbonne — que mais tarde se tornou padre jesuíta —, juntamente com o seu irmão Théodore (também convertido), fundou a Congregação de Nossa Senhora de Sião (Congregatio Nostrae Dominae de Sion).
A missão principal da nova congregação era promover o diálogo e a reconciliação entre judeus e cristãos, bem como o apostolado educativo e missionário. As Irmãs de Nossa Senhora de Sião continuam ativas até hoje em diversos países, dedicando-se à evangelização, à educação e ao trabalho social.
A coroação e o culto
O crescente número de graças e conversões atribuídas à intercessão de Nossa Senhora do Milagre levou o Papa Leão XIII a coroar solenemente a sua imagem a 17 de janeiro de 1892.
A Igreja de Sant’Andrea delle Fratte, onde ocorreu a aparição, tornou-se um centro de peregrinação mariana. Em 25 de abril de 1942, o Papa Pio XII elevou-a à categoria de Basílica menor, e em 1960, São João XXIII concedeu-lhe o título cardinalício.
Todos os anos, a 20 de janeiro, celebra-se a festa de Nossa Senhora do Milagre, recordando o poder de Maria em conduzir as almas a Cristo.
Mensagem espiritual e significado
A aparição de Nossa Senhora de Sião é uma poderosa mensagem de conversão e misericórdia. Maria aparece como Mãe compassiva, que não abandona os seus filhos, mesmo quando estes se afastam de Deus.
A conversão de Alphonse Ratisbonne, fruto de uma oração insistente e da entrega à Mãe de Deus, ensina-nos que nenhum coração está perdido para a graça. A luz que o envolveu é símbolo da luz da fé, capaz de transformar a incredulidade em adoração e o orgulho em humildade.
Uma ponte entre povos e religiões
Este episódio tem também uma profunda dimensão de reconciliação entre cristãos e judeus. Ratisbonne, descendente de Abraão, encontrou em Maria — filha de Sião — o caminho para o Filho de Deus.
A missão das Irmãs e Padres de Nossa Senhora de Sião continua a ser um testemunho vivo desse diálogo, recordando que Maria é Mãe de todos os que buscam a verdade, independentemente da sua origem.
Conclusão
A história de Nossa Senhora do Milagre é um convite à confiança e à oração. Mostra-nos que Deus atua com delicadeza e poder, e que Maria continua a ser a grande mediadora das graças que conduzem os corações a Jesus.
O testemunho de Alphonse Ratisbonne recorda-nos que a fé é dom, mas também resposta — e que, quando deixamos Maria aproximar-se de nós, o impossível torna-se possível.
“Não há coração tão endurecido que a graça de Deus, pela intercessão de Maria, não possa tocar.”