A devoção ao Sagrado Coração de Jesus é hoje universalmente conhecida e celebrada em toda a Igreja Católica. Contudo, a sua primeira celebração litúrgica oficial remonta a 20 de outubro de 1672, promovida pelo sacerdote francês São João Eudes, muito antes das revelações de Santa Margarida Maria Alacoque em Paray-le-Monial.
O contexto espiritual e histórico
No século XVII, a França era um dos grandes centros de renovação espiritual do catolicismo. Depois das guerras de religião e no auge do catolicismo pós-Trento, diversos movimentos de reforma e novas congregações religiosas procuravam reavivar a fé e a devoção popular.
Neste contexto, o padre João Eudes (1601-1680), membro da Congregação do Oratório fundada por São Filipe Néri, destacou-se como missionário popular, pregador fervoroso e grande promotor da devoção aos Corações de Jesus e de Maria.
São João Eudes e a origem da festa
São João Eudes acreditava que o coração humano de Jesus, trespassado de amor pela humanidade, devia ter um culto litúrgico próprio. Ele foi o primeiro a compor um ofício litúrgico e uma missa em honra do Sagrado Coração, algo que até então não existia.
A primeira celebração pública desta festa aconteceu em 20 de outubro de 1672, em Caen, na Normandia (França). João Eudes celebrou a liturgia com grande solenidade, reunindo clero e fiéis, dando início a uma prática que rapidamente se espalhou pelas comunidades onde pregava.
Além do Sagrado Coração de Jesus, João Eudes promoveu também a devoção ao Imaculado Coração de Maria, criando para ambos uma festa litúrgica própria.
Para ele, o coração de Jesus e o coração de Maria estavam intimamente ligados: um representava o amor divino redentor, o outro, a perfeita resposta humana a esse amor.
A ligação a Santa Margarida Maria Alacoque
Pouco depois, em 1673, a religiosa Santa Margarida Maria Alacoque começou a ter as célebres revelações em Paray-le-Monial, onde Cristo lhe pediu a instituição da festa do Sagrado Coração, a prática da Hora Santa e da comunhão reparadora.
Assim, o que João Eudes tinha iniciado liturgicamente em 1672, Margarida Maria aprofundou espiritualmente com as suas visões, dando uma nova dimensão ao culto: não apenas a celebração, mas também a reparação pelas ofensas feitas ao Coração de Cristo.
Deste modo, a ação de João Eudes e as revelações de Margarida Maria acabaram por convergir e consolidar esta devoção, que no início enfrentou resistência, mas viria a conquistar a Igreja inteira.
Reconhecimento progressivo da Igreja
- 1765 – O Papa Clemente XIII aprovou a celebração litúrgica do Sagrado Coração para algumas dioceses francesas.
- 1856 – O Papa Pio IX estendeu a festa a toda a Igreja Universal.
- 1899 – O Papa Leão XIII consagrou o mundo inteiro ao Sagrado Coração de Jesus.
- 1956 – O Papa Pio XII publicou a encíclica Haurietis Aquas, oferecendo a mais profunda reflexão teológica sobre esta devoção.
Tudo isto teve como ponto de partida aquela primeira celebração em Caen, em 1672, fruto da inspiração e zelo missionário de São João Eudes.
Legado de João Eudes
Hoje, São João Eudes é reconhecido como o “pai, doutor e apóstolo do culto litúrgico aos Sagrados Corações”. Ele foi canonizado em 1925 e continua a ser lembrado como pioneiro na difusão desta espiritualidade que coloca no centro da fé cristã o amor misericordioso de Cristo.
Conclusão
A celebração do Sagrado Coração de Jesus que hoje conhecemos nasceu de um gesto corajoso e profético de São João Eudes, em 20 de outubro de 1672. Foi ele quem primeiro deu forma litúrgica a esta devoção, que depois seria confirmada pelas revelações de Santa Margarida Maria Alacoque e abraçada pela Igreja Universal.
Assim, pode dizer-se que o culto ao Sagrado Coração tem duas origens complementares: a litúrgica, com João Eudes, e a mística, com Margarida Maria – ambas convergindo para manifestar o amor sem limites de Cristo pelo mundo.