Neste dia, em 1577, Santa Teresa de Ávila começava a escrever o livro “O Castelo Interior”

No dia 2 de junho de 1577, em pleno coração de Castela, Santa Teresa de Jesus, mais conhecida como Santa Teresa de Ávila, iniciou a redação de uma das maiores obras místicas de todos os tempos: “O Castelo Interior ou as Moradas” (El Castillo Interior o Las Moradas). Este livro não é apenas um tratado de espiritualidade, mas um verdadeiro mapa da alma humana no seu caminho de união com Deus.

Contexto histórico e espiritual

Quando Teresa começou a escrever “O Castelo Interior”, tinha cerca de 62 anos e já era uma figura reconhecida dentro e fora da Igreja. Havia fundado várias comunidades de Carmelitas Descalças, enfrentado perseguições, incompreensões e processos de inquirição por parte das autoridades religiosas, devido à reforma que empreendera dentro da Ordem do Carmo.

O ano de 1577 foi particularmente difícil: o ambiente no Carmelo estava tenso e Teresa encontrava-se sob vigilância e censura. No entanto, mesmo no meio das tribulações, ela obedeceu ao pedido das suas irmãs carmelitas para escrever um guia que as ajudasse a compreender o caminho interior da oração e da vida espiritual.

Foi assim que, num pequeno mosteiro de Toledo, Teresa pegou na pena e, com humildade e profunda luz interior, começou a redigir o que viria a ser uma das mais sublimes obras da literatura cristã.

A inspiração divina

Santa Teresa descreveu o processo de escrita como uma inspiração recebida diretamente de Deus. Disse que “não foi por vontade minha, mas por obediência e inspiração do Senhor”. Começou a escrever no dia 2 de junho de 1577, e terminou a obra apenas alguns meses depois, em novembro do mesmo ano — uma rapidez extraordinária para a profundidade do conteúdo que contém.

O livro é estruturado como uma viagem interior, em que a alma é comparada a um castelo de cristal com muitas moradas, no centro do qual habita Deus. A autora convida o leitor a atravessar essas moradas, uma a uma, até alcançar a união mística com o Criador.

A estrutura de “O Castelo Interior”

A obra está dividida em sete moradas espirituais, que representam as etapas do crescimento interior da alma:

  1. Primeiras Moradas: a alma desperta para a vida espiritual, ainda cheia de distrações e apegos.
  2. Segundas Moradas: inicia-se o combate contra o pecado e as tentações.
  3. Terceiras Moradas: a alma alcança certa estabilidade e virtude, mas ainda sem plena entrega.
  4. Quartas Moradas: surgem as primeiras experiências de oração sobrenatural e consolação interior.
  5. Quintas Moradas: a alma começa a viver a união mística, onde já sente profundamente a presença de Deus.
  6. Sextas Moradas: é o tempo da purificação profunda, da dor espiritual e da transformação interior.
  7. Sétimas Moradas: a alma atinge a união plena com Deus, um estado de paz, amor e entrega total.

A linguagem usada por Teresa é simples, simbólica e profundamente humana. Não escreve como uma teóloga, mas como uma mulher apaixonada por Deus, que partilha com os outros o caminho que ela própria percorreu.

O impacto da obra

Desde o seu aparecimento, “O Castelo Interior” tornou-se um dos pilares da mística cristã. A Igreja reconheceu a sua profundidade teológica e espiritual, e o livro passou a ser estudado não apenas por religiosos, mas também por filósofos, teólogos e até psicólogos.

O Papa Gregório XV canonizou Teresa em 1622, e em 1970, o Papa São Paulo VI proclamou-a Doutora da Igreja, a primeira mulher a receber este título, precisamente pela grandeza espiritual das suas obras — entre as quais, “O Castelo Interior” é a mais célebre.

Uma obra que nasce da obediência e da oração

Teresa nunca pretendeu escrever um livro de doutrina, mas um testemunho de vida. Escreveu-o “de joelhos, entre lágrimas e orações”, movida pela obediência e pela compaixão pelas suas irmãs. Cada página respira confiança, humildade e amor divino.

Para ela, a oração era “um trato de amizade com quem sabemos que nos ama”. Assim, “O Castelo Interior” é, antes de tudo, um convite à intimidade com Deus, que habita no mais profundo do coração humano.

A atualidade de “O Castelo Interior”

Mais de quatro séculos depois, a obra continua a inspirar cristãos em todo o mundo. Num tempo de dispersão e ruído, Teresa recorda-nos que o verdadeiro encontro com Deus acontece no silêncio interior, no recolhimento, na entrega e na amizade com Cristo.

O seu castelo de cristal é também o símbolo da alma moderna, ferida e fragmentada, que procura reencontrar a luz e a paz no centro de si mesma, onde Deus a espera.

Conclusão

Ao iniciar “O Castelo Interior” naquele 2 de junho de 1577, Santa Teresa de Ávila deu à Igreja uma das suas maiores joias espirituais. O livro é um convite à santidade e à união com Deus, um farol que ilumina o caminho da oração e da contemplação para todos os tempos.

A mística carmelita mostrou, com a sua vida e com as suas palavras, que o caminho para Deus passa pelo interior do ser humano, e que “dentro de nós habita uma grande beleza, porque dentro de nós habita Deus”.

“Não está o Senhor mais longe de ti do que o centro do teu próprio ser.”
— Santa Teresa de Jesus

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