Neste dia, em 1542, era criado o Dicastério para a Doutrina da Fé

No dia 21 de julho de 1542, o Papa Paulo III instituiu formalmente, através da bula Licet ab initio, um organismo que viria a tornar-se o mais antigo dos dicastérios da Cúria Romana ainda em funcionamento: aquele que hoje conhecemos como o Dicastério para a Doutrina da Fé. Originalmente criado com o nome de Sagrada Congregação da Inquisição Universal, este dicastério desempenhou — e continua a desempenhar — um papel essencial na salvaguarda da integridade da fé católica ao longo dos séculos.

A Origem: a resposta à crise doutrinal do século XVI

A criação desta instituição insere-se num contexto histórico muito concreto: o século XVI, tempo de grandes desafios teológicos e eclesiais para a Igreja Católica. A Reforma Protestante, desencadeada em 1517 por Martinho Lutero, espalhava-se rapidamente pela Europa, pondo em causa doutrinas fundamentais como a justificação, os sacramentos, a autoridade do Papa e a própria Tradição da Igreja.

Perante esta situação crítica, o Papa Paulo III sentiu a necessidade urgente de um instrumento eficaz para responder aos erros doutrinais, proteger a fé e manter a unidade eclesial. Assim, em 21 de julho de 1542, instituiu a Sacra Congregatio Romanae et Universalis Inquisitionis — ou seja, a Sagrada Congregação da Inquisição Romana e Universal.

Missão e Competência: defender a fé católica

Desde a sua fundação, o organismo teve como finalidade fundamental defender a ortodoxia da fé e vigiar o ensino doutrinal dentro da Igreja. Com sede em Roma, e sob a presidência direta do Papa, o novo organismo era composto por cardeais, teólogos e consultores, e tinha autoridade sobre toda a cristandade.

Entre as suas atribuições, destacavam-se:

  • Examinar e julgar doutrinas suspeitas de heresia;
  • Supervisionar publicações teológicas;
  • Avaliar escritos contrários à fé e à moral;
  • Determinar sanções disciplinares em casos de desvios doutrinários;
  • Apoiar os bispos na tarefa de conservar a sã doutrina.

Relação com a Inquisição

A designação inicial da congregação, com a palavra “Inquisição”, levanta frequentemente questões sobre o seu papel no que ficou historicamente conhecido como Inquisição — termo muitas vezes carregado de conotações negativas na historiografia moderna.

É importante distinguir entre os tribunais inquisitoriais locais, como a Inquisição Espanhola ou a Inquisição Portuguesa, e a Congregação da Inquisição Romana, que não surgiu para punir, mas para preservar a fé. Embora partilhassem objectivos semelhantes — a repressão à heresia —, a Congregação Romana centrava-se mais no discernimento doutrinal do que na aplicação de penas civis ou físicas, que eram competência dos poderes temporais da época.

A Congregação procurava sempre — tanto quanto possível — a conversão e a correção do erro, e a maioria dos casos era resolvida por via de admoestações e penitências espirituais, e não por medidas extremas.

Evolução ao longo dos séculos

Com o passar do tempo, a Sagrada Congregação da Inquisição foi-se adaptando às exigências de cada época, especialmente após o Concílio Vaticano II. Em 1908, o Papa São Pio X renomeou-a como Sagrada Congregação do Santo Ofício. Mais tarde, em 1965, o Papa São Paulo VI promoveu uma reforma mais profunda, renomeando-a como Congregação para a Doutrina da Fé, dando-lhe um rosto mais pastoral e dialogante.

O seu perfil tornou-se ainda mais teológico e menos jurídico, centrando-se sobretudo em:

  • Promover estudos sobre a fé;
  • Ajudar os bispos e universidades católicas no ensino e aprofundamento da doutrina;
  • Dialogar com outras confissões cristãs e religiões;
  • Analisar escritos e fenómenos relacionados com revelações privadas ou aparições.

O seu prefeito mais conhecido na era contemporânea foi o então cardeal Joseph Ratzinger, que liderou o organismo entre 1981 e 2005, antes de ser eleito Papa Bento XVI.

A reforma recente de Francisco e a nova designação

Em 2022, com a entrada em vigor da constituição apostólica Praedicate Evangelium, o Papa Francisco reformulou a estrutura da Cúria Romana e alterou a designação da Congregação para a Doutrina da Fé para Dicastério para a Doutrina da Fé.

Além disso, foi feita uma divisão interna em duas secções:

  • Secção doutrinal, que trata de assuntos relacionados com fé, moral, estudos teológicos e pareceres sobre fenómenos religiosos.
  • Secção disciplinar, que lida com casos de abusos e delitos canónicos, especialmente aqueles mais graves, como ofensas contra os sacramentos ou a integridade da fé.

Esta estrutura reflecte a intenção do Papa de manter o dicastério como guardião da verdade, mas com um espírito de diálogo, misericórdia e escuta, características próprias de uma Igreja sinodal e missionária.

O mais antigo, mas sempre actual

Com quase cinco séculos de existência, o Dicastério para a Doutrina da Fé permanece como uma peça-chave na missão evangelizadora da Igreja. Fiel ao mandato de Cristo de anunciar a verdade que liberta (cf. Jo 8,32), continua hoje — como ontem — a assegurar que o ensinamento da Igreja permaneça fiel à Tradição apostólica, coerente com o Magistério e aberto ao diálogo com o mundo contemporâneo.

Neste 21 de julho, a Igreja recorda não apenas uma data histórica, mas a continuidade de um serviço fundamental: proteger, esclarecer e anunciar a fé verdadeira, em comunhão com o sucessor de Pedro e a totalidade do Povo de Deus.

Partilha esta publicação:

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *