Na Igreja de San Marcello al Corso, em Roma, conserva-se um dos crucifixos mais venerados da história da Igreja: o Crucifixo Milagroso de São Marcelo. Ao longo dos séculos, esta imagem de Cristo crucificado esteve ligada a acontecimentos extraordinários, sobretudo em tempos de epidemias, calamidades e provações, tornando-se um símbolo de esperança e de proteção para o povo romano.
A Origem do Crucifixo
O crucifixo é uma escultura em madeira do século XV, guardada na pequena igreja de San Marcello al Corso, situada na Via del Corso. Desde o início, impressionava pela expressão intensa do rosto de Cristo sofredor.
Em 1519, na noite de 22 para 23 de maio, um violento incêndio devastou a igreja, destruindo quase tudo no seu interior. No entanto, o crucifixo foi encontrado intacto, apenas com marcas superficiais de fumo. Este primeiro sinal já fez com que os romanos começassem a venerá-lo como um objeto de proteção divina.
O Milagre da Peste de 1522
O episódio mais célebre associado ao crucifixo ocorreu em 1522, quando Roma foi assolada por uma terrível peste. A situação era desesperadora: ruas vazias, comércio fechado, e milhares de famílias em luto. Movidos pela fé e pelo desespero, os religiosos servitas, responsáveis pela igreja, decidiram organizar uma procissão extraordinária.
Durante 16 dias consecutivos, o crucifixo percorreu as ruas da cidade, acompanhado por padres, frades e multidões de fiéis. As pessoas rezavam fervorosamente, cantavam salmos e clamavam por misericórdia. Os relatos da época descrevem cenas emocionantes: famílias inteiras ajoelhadas nas portas de suas casas, alguns enfermos sendo carregados até verem o crucifixo passar, e muitos chorando e suplicando a proteção de Cristo.
À medida que a procissão avançava, relatos históricos indicam que a epidemia começou a perder força. O medo deu lugar à esperança, e a cidade inteira começou a experimentar um alivio gradual. Quando a procissão terminou, a peste tinha cessado quase totalmente, e Roma pôde respirar novamente. Este milagre consolidou a devoção popular ao crucifixo, que passou a ser visto como um verdadeiro protetor da cidade.
Outros Momentos de Intercessão
Ao longo dos séculos, o Crucifixo de São Marcelo voltou a ser invocado em diversas ocasiões:
- Durante surtos posteriores de peste, com procissões penitenciais semelhantes às de 1522.
- Em momentos de inundações do rio Tibre, sendo carregado pelas ruas como símbolo de proteção.
- Como símbolo de fé e esperança, especialmente nos períodos de calamidade ou desgraça coletiva, reforçando a confiança dos romanos na intercessão de Cristo.
O Crucifixo e o Papa Francisco em 2020
Mais recentemente, em março de 2020, durante a pandemia de Covid-19, o crucifixo voltou a ter destaque internacional. O Papa Francisco, recordando a tradição histórica de Roma, mandou levar o crucifixo de San Marcello al Corso até à Praça de São Pedro.
Num momento histórico e profundamente simbólico, o Pontífice rezou diante do crucifixo, acompanhado pelo ícone mariano Salus Populi Romani, pedindo o fim da pandemia e confiando à proteção divina toda a humanidade. A imagem do Papa sozinho na praça vazia tornou-se um ícone de fé e esperança, evocando a confiança do povo romano diante de situações de grande provação, tal como em 1522.
Conclusão
O Crucifixo Milagroso de São Marcelo permanece até hoje como testemunho da misericórdia de Cristo e da força da oração comunitária. Ele nos lembra que, mesmo em tempos de medo, sofrimento ou morte, a fé e a devoção podem trazer alívio, proteção e consolação.
Mais do que uma obra de arte sacra, é um símbolo vivo da presença de Cristo junto do Seu povo, acompanhando-o nas tribulações e fortalecendo a esperança em cada geração.