O “Miracle dels Peixets” (Milagre dos Peixinhos), em valenciano, é uma das tradições eucarísticas mais queridas no Corazón de la Huerta Norte, em Valência, Espanha. Aconteceu em 1348, segundo a tradição, e até hoje é celebrado com devoção. Eis um apanhado detalhado da sua história, significados e celebrações.
Origens segundo a tradição
O milagre teria ocorrido em torno de 10 de junho de 1348, numa primavera marcada por chuvas intensas. O protagonista da história é um sacerdote pároco de Alboraya, incumbido de levar o Viático (as formas consagradas) a um morisco recém-convertido gravemente enfermo da aldeia de Almàssera, que então dependia paroquialmente de Alboraya.
Para chegar até Almàssera, o sacerdote teve de atravessar o barranco (ribeiro) do Carraixet, que estava com as águas crescidas. Durante a travessia, o sacerdote caiu ao rio junto com a mula que transportava a arqueta contendo as hóstias consagradas. A arqueta e as formas foram arrastadas pela água.
Após essa queda, a arqueta foi perdida, mas a população começou a procurar no rio, seguindo as margens até à sua desembocadura no mar. Lá, segundo relatos, três peixes foram vistos com as Santas Formas nas bocas, sustentando-as como se as guardassem. Os peixes levaram até à margem, onde o sacerdote, com um cálice em mão, recolheu as Formas.
Desenvolvimento da devoção e implicações históricas
Logo após o milagre, o bispo de Valência à época, Hugo de Fenollet, ao tomar conhecimento do acontecimento, decretou a celebração de festas solenes em Alboraya pelo milagre. Esta iniciativa tinha como objetivo renovar o fervor eucarístico entre os fiéis, especialmente num momento em que a peste negra e outras calamidades abalaram a Igreja local.
Também se afirma que este milagre contribuiu para reanimar a vida religiosa local, fortalecer a reverência à Eucaristia, e serviu de base para celebrações públicas do Corpo de Cristo na região.
O local do milagre e construções posteriores
O local tradicional é a desembocadura do barranco de Carraixet, perto de Alboraya, junto ao mar. Devotos e peregrinos acodem à Ermita “dels Peixets” (Ermita do Milagre), construída em memória deste acontecimento.
A ermita atual é de estilo neogótico, construída em 1901, embora o fervor popular e as celebrações remontem muito mais antigo.
Celebrações, data litúrgica e manifestações populares
A festa do Milagre dos Peixets é celebrada todos os anos no segunda-feira após Pentecostes. A celebração inclui missa solene na ermita, procissão eucarística, exposição do Santíssimo Sacramento, vigília ou tríduo em preparação, ofertas de devoção local, convívio popular entre os participantes.
A festividade tem também marca no brasão de Alboraya: aparecem três peixes representando o milagre; em Almàssera aparece uma versão que tem dois peixes, de acordo com outra versão tradicional.
Elementos de debate e variantes da tradição
Há diferenças de versão nos relatos: algumas versões dizem que eram três formas consagradas, outras duas. Se o sacerdote ia ou vinha de Almàssera também é variante nos relatos.
Também existe disputa simbólica sobre qual povo (Alboraya ou Almàssera) reivindica certos detalhes: número de peixes, localidade de partida ou chegada, etc. No entanto, essas diferenças são menores comparadas à origem da devoção.
Importância espiritual e legado
O milagre reforça a crença na presença real de Cristo na Eucaristia e na proteção divina sobre o Santíssimo Sacramento, inclusive quando ele parece perdido ou em perigo.
Serve também como exemplo de fé local, de como o povo cristão preserva tradições antigas, passando de geração em geração a história do milagre, integrando-a no calendário litúrgico local e nas festas populares.
É também ocasião de manifestação comunitária de fé, de missão, de unidade paroquial e diocésana, e de evangelização – recordando que a Eucaristia é o centro da vida cristã.
Estado atual e visitação
A Ermita dels Peixets está aberta ao culto especialmente no dia da festa; durante o ano é local de peregrinação para fiéis que visitam e relembram o milagre.
A igreja de Almàssera também conserva a arqueta (caixa) em que supostamente se guardavam as Santas Formas originais, assim como o cálice usado para recolher as Formas dos peixes.
Conclusão
O “Milagre dos Peixets” é mais do que uma lenda ou história popular: é um sinal vivo da tradição eucarística, da fidelidade do povo de Deus e da maneira como Deus pode intervir para demonstrar Sua presença. Em tempos de crise (como o de 1348), este milagre ofereceu consolo e esperanças renovadas.
Para quem celebra hoje esta festa, ela é convite: lembrar que, mesmo quando tudo parece perdido (as Formas derramadas, o perigo das águas), Cristo jamais abandona o Seu Sacramento. E que cada Eucaristia é um milagre contínuo, presente entre nós.