Neste dia, em 533, o Papa João II foi o primeiro pontífice a não usar o nome de batismo

Uma das características mais marcantes de cada novo pontificado é o nome escolhido pelo Papa logo após a sua eleição. Este gesto simbólico, repleto de significado espiritual e histórico, marca o início de uma nova missão e revela muito sobre a visão e o coração do novo Sucessor de Pedro. Mas nem sempre foi assim. A adoção de um novo nome pelos Papas é uma tradição que nasceu no primeiro milénio da Igreja e que, com o passar dos séculos, se consolidou como uma das mais belas expressões de continuidade e renovação do papado.

Quando começou a tradição de mudar de nome?

Nos primeiros séculos do cristianismo, os Papas mantinham o seu nome de batismo. Assim, os primeiros bispos de Roma — de São Pedro até João II — não alteraram o nome quando foram eleitos.

Tudo mudou a 2 de janeiro de 533, com a eleição do Papa João II. O seu nome de batismo era Mercúrio, o mesmo de uma divindade pagã da mitologia romana. Por respeito à fé cristã e à dignidade do cargo, o novo Papa considerou inadequado manter um nome de origem pagã e escolheu chamar-se João, em homenagem ao apóstolo amado e ao precursor de Cristo.

Este gesto de prudência e fé marcou o início de uma nova tradição, que com o tempo passou a ser adotada por quase todos os seus sucessores.

O significado espiritual da mudança de nome

A escolha de um novo nome simboliza uma nova missão. Tal como aconteceu com Simão, que se tornou Pedro (“a pedra”) ao ser escolhido por Cristo, ou com Saulo, que passou a ser Paulo após a sua conversão, o novo Papa assume um nome que representa o início de uma nova etapa de serviço e entrega à Igreja.

Ao mudar de nome, o Papa deseja expressar o espírito com que quer guiar o povo de Deus — inspirando-se frequentemente em santos, papas anteriores ou figuras bíblicas que marcaram a história da fé.

Por exemplo:

  • João XXIII quis evocar o nome dos muitos papas João que o precederam e associar o seu pontificado a um tempo de renovação e concílio.
  • Paulo VI escolheu “Paulo” em referência ao apóstolo missionário, símbolo do diálogo com o mundo moderno.
  • João Paulo I quis unir os dois predecessores imediatos, João XXIII e Paulo VI, em sinal de continuidade.
  • Francisco escolheu o nome de São Francisco de Assis, modelo de pobreza, humildade e cuidado pela criação — refletindo o estilo pastoral simples e próximo que tem marcado o seu pontificado.

O primeiro Papa a adotar um nome duplo

A tradição dos nomes duplos começou com João Paulo I, eleito em 1978. O seu nome de batismo era Albino Luciani, e ao ser eleito quis unir os nomes dos seus dois predecessores mais recentes — João XXIII e Paulo VI — para simbolizar continuidade entre o espírito conciliar e a renovação pastoral.

Pouco depois, João Paulo II, eleito no mesmo ano, decidiu manter essa dupla denominação em homenagem ao seu antecessor, que reinara apenas 33 dias. Foi um gesto de respeito e continuidade, e o nome João Paulo ficou assim associado a um dos pontificados mais longos e marcantes da história moderna da Igreja.

Quem foi o último Papa a manter o seu nome de batismo?

O último Papa a não mudar de nome foi Marcelo II, eleito em 1555. Chamava-se Marcello Cervini e decidiu conservar o seu nome de batismo como sinal de simplicidade e autenticidade. No entanto, o seu pontificado durou apenas 22 dias, e após ele todos os papas passaram a adotar um nome novo.

Desde então, mudar de nome tornou-se uma regra de facto, mesmo que não esteja formalmente imposta pela lei da Igreja.

Curiosidades históricas sobre os nomes papais

  • O nome mais usado na história dos papas é João, escolhido 23 vezes (até João XXIII).
  • Seguem-se Gregório (16 vezes), Bento (16 vezes) e Leão (14 vezes).
  • O Papa Francisco (eleito em 2013) foi o primeiro da história a escolher este nome, o que reforça a sua originalidade e o desejo de renovação espiritual.
  • Nenhum Papa escolheu até hoje o nome Pedro II, por respeito ao primeiro Papa, São Pedro, considerado único e insubstituível.
  • Durante a Idade Média, alguns papas mudaram o nome após a eleição por motivos políticos, como forma de se afastarem de famílias rivais ou de evitar associações com períodos conturbados.

A escolha do nome: um segredo guardado

O momento em que o Papa escolhe o seu nome acontece imediatamente após a eleição, dentro da Capela Sistina. Após o novo Papa aceitar a eleição e declarar “Accepto” (“Aceito”), é-lhe perguntado:

“Com que nome desejas ser chamado?”

A decisão é tomada ali mesmo, no mais profundo recolhimento, e o novo nome é o primeiro sinal visível da sua missão. Logo a seguir, o Cardeal Protodiácono anuncia ao povo, da varanda da Basílica de São Pedro:

“Annuntio vobis gaudium magnum: Habemus Papam!”

E acrescenta o nome escolhido, marcando o início oficial do novo pontificado.

O valor simbólico dos nomes

Cada nome papal é uma mensagem ao mundo.
Quando Leão XIII escolheu esse nome em 1878, evocou a força e a sabedoria de Leão I, o Papa que enfrentou Átila e defendeu a primazia da Sé Romana.
Pio IX, que conduziu a Igreja durante o século XIX, quis associar-se à piedade e firmeza doutrinal de outros papas Pio.
João XXIII quis recordar o apóstolo da caridade e da paz, escolhendo um nome “familiar e popular” que refletisse a sua natureza simples.

O nome papal, portanto, não é apenas uma formalidade: é uma profissão de fé, uma linha de programa e, muitas vezes, um legado para a história.

Conclusão

A adoção de um novo nome pelos papas é um ato de humildade e de missão. Representa a transformação interior daquele que, escolhido por Deus através dos cardeais, deixa para trás a sua identidade pessoal para se tornar Pai Universal da Igreja.

Desde João II até Francisco, esta tradição reflete a continuidade e a renovação constantes da Igreja — uma instituição que, mesmo enraizada em dois milénios de história, se mantém sempre aberta ao Espírito que faz novas todas as coisas.

Assim, cada nome escolhido é uma ponte entre o passado e o futuro, entre a fé recebida e o serviço que se inicia. Porque, como disse Bento XVI, “o Papa não é senhor, mas servo do Evangelho” — e o nome que escolhe é, desde o primeiro instante, o sinal dessa entrega total.

Partilha esta publicação:

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *