A eleição do Papa Paulo VI, em 21 de junho de 1963, marcou um dos momentos mais significativos do século XX na história da Igreja Católica. Realizado num contexto de grande mudança e esperança, o conclave que sucedeu à morte de João XXIII representou a continuidade e, ao mesmo tempo, a renovação da missão iniciada pelo Concílio Vaticano II. Giovanni Battista Montini, cardeal-arcebispo de Milão, foi escolhido para guiar a Igreja num período de profundas transformações sociais, culturais e espirituais, tornando-se o 262.º sucessor de São Pedro.
Contexto histórico e o legado de João XXIII
O Papa João XXIII faleceu a 3 de junho de 1963, após um pontificado breve mas marcante (1958-1963). O seu gesto mais memorável foi a convocação do Concílio Vaticano II, iniciado em 11 de outubro de 1962, que visava promover a renovação interna da Igreja e o diálogo com o mundo moderno.
A morte do “Papa Bom” comoveu profundamente os católicos e levantou uma questão crucial: quem seria capaz de continuar o Concílio e levar a cabo as reformas iniciadas?
O mundo assistia com atenção — o novo pontífice teria de ser, simultaneamente, fiel à tradição e aberto à modernidade.
Preparação do Conclave de 1963
O Colégio dos Cardeais, composto por 80 eleitores, reuniu-se na Capela Sistina no Vaticano, sob as regras estabelecidas pela Constituição Vacantis Apostolicae Sedis.
Entre os nomes mais mencionados figuravam:
- Giovanni Battista Montini, arcebispo de Milão, conhecido pelo seu equilíbrio pastoral e profundo conhecimento da Cúria Romana;
- Giuseppe Siri, arcebispo de Génova, de perfil mais conservador;
- Giovanni Urbani, patriarca de Veneza;
- Gregorio Pietro Agagianian, arménio, ex-prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos, que tinha sido também um dos candidatos no conclave de 1958.
O ambiente era sereno mas intenso. A prioridade dos cardeais era eleger um homem que pudesse garantir a continuidade do Concílio Vaticano II, que se encontrava suspenso devido à morte do Papa João XXIII.
As votações e a eleição de Giovanni Battista Montini
O conclave teve início a 19 de junho de 1963. A Capela Sistina foi novamente fechada ao mundo exterior, e o famoso fumo branco (sinal da eleição) só seria visto dois dias depois.
Após quatro escrutínios, no dia 21 de junho, o cardeal Giovanni Battista Montini foi eleito Bispo de Roma e Sumo Pontífice.
Embora o processo tenha sido relativamente rápido, as votações revelaram uma Igreja equilibrada entre correntes diversas: Montini era visto como o candidato da continuidade, alguém que partilhava da visão pastoral de João XXIII, mas com uma formação teológica e diplomática mais sólida para enfrentar os desafios do pós-concílio.
Ao aceitar a eleição, Montini escolheu o nome Paulo VI, em referência ao apóstolo São Paulo, missionário e evangelizador das nações. O nome simbolizava o desejo de levar a mensagem cristã ao mundo moderno e de promover um pontificado de diálogo e abertura.
A solene coroação
A cerimónia de coroação do Papa Paulo VI decorreu a 30 de junho de 1963, na Praça de São Pedro. Foi a última coroação papal com a tiara triregnum (símbolo do poder temporal e espiritual dos papas), tradição que Paulo VI mais tarde abandonaria, doando a sua tiara aos pobres como sinal de humildade e renovação.
Durante a sua homilia de coroação, Paulo VI declarou:
“A Igreja não é feita para dominar, mas para servir; não para possuir, mas para dar.”
Esta frase resumiu o espírito com que o novo pontífice pretendia orientar o seu pontificado.
Perfil e formação de Giovanni Battista Montini
Giovanni Battista Montini nasceu a 26 de setembro de 1897, em Concesio, perto de Bréscia, Itália. Proveniente de uma família católica e socialmente ativa, foi ordenado sacerdote em 1920 e entrou rapidamente para o Serviço Diplomático da Santa Sé, onde trabalhou junto da Secretaria de Estado.
Serviu como substituto dos Assuntos Ordinários da Secretaria de Estado sob o Papa Pio XII, adquirindo uma vasta experiência nos assuntos eclesiásticos e internacionais. Em 1954, foi nomeado arcebispo de Milão, onde se destacou pela atenção aos operários e pela defesa da justiça social, tornando-se uma figura de diálogo entre a Igreja e o mundo moderno.
Foi criado cardeal em 1958 por João XXIII, e a sua experiência pastoral e diplomática fizeram dele um dos nomes naturais para suceder ao Papa falecido.
Os primeiros atos do novo pontificado
Logo após a eleição, Paulo VI tomou decisões que mostraram o rumo do seu pontificado:
- Confirmou a continuidade do Concílio Vaticano II, que reabriu em setembro de 1963 e concluiu em dezembro de 1965.
- Reformou a Cúria Romana, dando-lhe uma estrutura mais moderna.
- Promoveu o diálogo ecuménico, sendo o primeiro papa a encontrar-se com o Patriarca Ortodoxo de Constantinopla (Atenágoras I) em 1964.
- Iniciou viagens papais internacionais, tornando-se o primeiro papa a sair da Europa desde o século XIX.
A sua eleição, portanto, foi o ponto de partida de uma nova fase da história da Igreja — o catolicismo pós-conciliar, empenhado em dialogar com a ciência, a cultura e as outras religiões.
Reações à eleição
A eleição de Paulo VI foi recebida com entusiasmo por grande parte da comunidade católica e pela imprensa internacional. Muitos viram nele o homem certo para unir a Igreja, num momento em que as reformas conciliares começavam a gerar tensões internas.
Os meios diplomáticos reconheceram também o seu perfil equilibrado e moderado, capaz de representar a Santa Sé com inteligência num mundo em rápida transformação — em plena Guerra Fria, no auge das revoluções culturais e das mudanças sociais dos anos 60.
Legado do conclave de 1963
O conclave que elegeu Paulo VI foi, em muitos sentidos, um dos mais importantes do século XX. A sua decisão de continuar o Concílio Vaticano II e de aplicar as suas reformas deu à Igreja uma nova vitalidade, abrindo caminhos de diálogo e atualização pastoral.
Paulo VI governou a Igreja durante 15 anos, até à sua morte em 6 de agosto de 1978, deixando um legado de equilíbrio, prudência e coragem espiritual. Foi beatificado em 2014 e canonizado pelo Papa Francisco em 2018.
Conclusão
A eleição do Papa Paulo VI em 1963 foi um momento determinante na história contemporânea da Igreja Católica. Representou a escolha de um pastor de profunda espiritualidade e visão universal, capaz de continuar a obra iniciada por João XXIII e de conduzir a Igreja através das mudanças do século XX.
Com sabedoria e firmeza, Paulo VI guiou o barco de Pedro num tempo de tempestade e esperança, tornando-se o “Papa do Diálogo”, o artífice do Concílio Vaticano II e um símbolo da fidelidade da Igreja à sua missão no mundo moderno.