Entre as mais impressionantes tradições da Igreja Católica, destaca-se o Milagre de São Januário, padroeiro de Nápoles, que continua a fascinar fiéis e cientistas ao longo dos séculos. O fenómeno, ao mesmo tempo religioso e misterioso, ocorre várias vezes por ano e atrai milhares de peregrinos e curiosos à catedral napolitana.
Quem foi São Januário?
São Januário (em italiano, San Gennaro) foi bispo de Benevento, martirizado durante a perseguição do imperador Diocleciano, no início do século IV. Segundo a tradição, foi decapitado por volta do ano 305 d.C., em Pozzuoli, perto de Nápoles. A devoção ao santo cresceu rapidamente, sobretudo após a trasladação das suas relíquias para Nápoles, onde se tornou o patrono da cidade.
A origem do milagre
O milagre está ligado a duas ampolas que contêm o sangue coagulado do santo. Segundo os registos, a primeira ocorrência conhecida remonta a 1389, quando se verificou pela primeira vez a liquefação do sangue diante dos fiéis. Desde então, o fenómeno passou a ser observado regularmente, especialmente nas festas litúrgicas ligadas ao santo.
Guardadas na Catedral de Nápoles (Duomo di San Gennaro), estas relíquias são expostas em momentos específicos do ano, quando ocorre o fenómeno inexplicável: o sangue solidificado liquefaz-se diante dos fiéis.
Quando ocorre o milagre?
Tradicionalmente, o milagre acontece três vezes por ano:
- 19 de setembro – Festa litúrgica de São Januário, aniversário do seu martírio.
- Sábado anterior ao primeiro domingo de maio – Data que recorda a trasladação das relíquias do santo.
- 16 de dezembro – Dia que evoca a erupção do Vesúvio em 1631, quando a intercessão do santo teria protegido a cidade.
Nestas ocasiões, o arcebispo de Nápoles retira as ampolas do cofre-relicário e mostra-as ao povo. Entre cânticos, orações e aclamações, o sangue, inicialmente em estado sólido e escuro, vai adquirindo consistência líquida e cor rubra, o que é visto como um sinal da proteção contínua de São Januário sobre a cidade.
Quando o milagre não acontece
Ao longo da história, registaram-se algumas ocasiões em que o milagre não ocorreu, o que sempre foi visto como presságio de desgraça. Entre os episódios mais marcantes encontram-se:
- 1527 – O sangue não se liquefez, e nesse mesmo ano Nápoles foi devastada por uma terrível peste que matou dezenas de milhares de pessoas.
- 1939 – O fenómeno não ocorreu, e meses depois teve início a Segunda Guerra Mundial.
- 1943 – Durante a ocupação nazi de Nápoles, o sangue permaneceu coagulado por muito tempo, aumentando o medo da população.
- 1980 – O milagre não aconteceu em dezembro, e poucos dias depois a região da Campânia foi atingida por um forte terramoto (o sismo de Irpinia), que causou quase 3.000 mortos.
Estes episódios alimentaram a convicção popular de que o não cumprimento do milagre é sinal de grandes tragédias ou calamidades iminentes.
O significado do milagre
Para os napolitanos, a liquefação do sangue é um símbolo de proteção divina. A Igreja, porém, não o declara dogma, limitando-se a reconhecer a importância pastoral do fenómeno.
Do ponto de vista científico, foram feitas diversas análises e hipóteses, como a possibilidade de o sangue conter substâncias com propriedades tixotrópicas, que mudam de estado sob movimento. Contudo, nenhuma explicação conseguiu dar conta da regularidade do fenómeno e do seu vínculo a datas específicas.
A Igreja e a ciência
A Igreja não obriga os fiéis a acreditarem no milagre como dogma de fé, mas reconhece-o como um fenómeno ligado à devoção popular. Cientistas e investigadores já tentaram estudar as ampolas, mas sem chegar a conclusões definitivas. Há hipóteses químicas que procuram explicar a liquefação como resultado de tixotropia (substâncias que mudam de estado sob movimento), mas nenhuma investigação conseguiu reproduzir de forma convincente o fenómeno nas condições e datas em que ocorre.
Assim, o mistério mantém-se, sendo para os fiéis um milagre e para a ciência um enigma não resolvido.
Devoção e impacto cultural
O culto a São Januário e ao seu milagre é profundamente enraizado em Nápoles. A cada ocorrência, multidões enchem a catedral e a praça diante dela, aguardando ansiosamente o anúncio: “O sangue liquefez-se!” (Il sangue si è sciolto!). Este grito ecoa como motivo de alegria e alívio para toda a cidade.
Além do aspeto religioso, o milagre tornou-se parte da identidade cultural napolitana, aparecendo em literatura, música e tradições locais, reforçando o elo entre fé e vida quotidiana.
Conclusão
O Milagre de São Januário é um dos fenómenos religiosos mais célebres do mundo católico, que continua a ser celebrado com grande fervor todos os anos. Entre fé e mistério, ciência e devoção, a liquefação do sangue de São Januário permanece como um testemunho da religiosidade do povo napolitano e um convite à reflexão sobre os mistérios de Deus que transcendem a compreensão humana.