Qual a origem e significado dos evangelhos apócrifos

Os livros e evangelhos apócrifos ocupam um lugar fascinante na história do cristianismo. Embora não sejam considerados canónicos pela Igreja Católica e outras tradições cristãs principais, esses textos oferecem uma visão ampliada das crenças, práticas e interpretações religiosas nos primeiros séculos do cristianismo. Este artigo examina o que são os livros e evangelhos apócrifos, a sua origem, conteúdo e o motivo pelo qual não foram incluídos no cânon bíblico.

Definição de Apócrifo

O termo “apócrifo” vem do grego “apokryphos”, que significa “oculto” ou “escondido”. Na tradição cristã, refere-se a livros ou escritos religiosos que não foram incluídos no canon oficial da Bíblia. Esses textos foram escritos por comunidades cristãs nos primeiros séculos após a morte de Cristo e apresentam histórias, ensinamentos e narrativas paralelas ou complementares aos textos canónicos.

Os livros apócrifos podem ser divididos em duas categorias principais:

  • Apócrifos do Antigo Testamento: Textos que não foram incluídos na Bíblia hebraica, mas que foram considerados sagrados por algumas comunidades judaicas e cristãs.
  • Apócrifos do Novo Testamento: Textos que descrevem eventos ou ensinamentos atribuídos a Jesus e seus apóstolos, mas que não foram aceitos no Novo Testamento.

Origem e Desenvolvimento dos Textos Apócrifos

Os evangelhos e outros textos apócrifos começaram a surgir entre o século II e o século IV d.C., embora alguns possam ter origens ainda anteriores. Esses textos foram escritos num contexto de grande diversidade teológica dentro do cristianismo primitivo, quando diferentes comunidades cristãs procuravam entender e preservar os ensinamentos de Jesus e dos apóstolos.

A maioria dos textos apócrifos do Novo Testamento foi produzida por grupos que se desviavam das doutrinas que seriam posteriormente aceites pela Igreja Católica e por outras tradições cristãs principais. Alguns desses grupos incluíam os gnósticos, que tinham visões particulares sobre a natureza de Jesus e do mundo espiritual.

Principais Livros e Evangelhos Apócrifos

Aqui estão alguns dos evangelhos e livros apócrifos mais conhecidos:

  • Evangelho de Tomé: Talvez o mais famoso dos evangelhos apócrifos, é uma coleção de 114 ditos atribuídos a Jesus. Diferente dos evangelhos canónicos, o Evangelho de Tomé não narra a vida de Jesus, mas apresenta os seus ensinamentos de forma fragmentada, com forte influência gnóstica. Ele foi descoberto em 1945, entre os Manuscritos de Nag Hammadi, no Egito.
  • Evangelho de Pedro: Um relato da Paixão de Cristo que descreve os eventos da crucificação e ressurreição de forma diferente dos evangelhos canónicos, incluindo elementos como uma visão do Cristo ressuscitado saindo do túmulo acompanhado por dois anjos gigantes.
  • Evangelho de Maria Madalena: Este texto atribuído a Maria Madalena apresenta um papel proeminente para ela, sugerindo que tinha um conhecimento especial e próximo de Jesus, o que contrasta com os papéis mais tradicionais apresentados nos evangelhos canónicos.
  • Protoevangelho de Tiago: Um relato apócrifo sobre a infância de Maria, mãe de Jesus, e a infância de Jesus. Este texto é uma das fontes mais antigas que mencionam a Imaculada Conceição de Maria.
  • Evangelho de Judas: Outro texto gnóstico, ele apresenta Judas Iscariotes de maneira positiva, sugerindo que a sua traição foi um ato necessário para o cumprimento do plano divino.
  • Atos de Pedro: Parte de uma coleção maior conhecida como Atos Apócrifos dos Apóstolos, que inclui histórias fantásticas sobre os apóstolos Pedro, João, Paulo e outros, frequentemente apresentando milagres espetaculares e ensinamentos místicos.
  • Apocalipse de Pedro: Um texto apocalíptico que descreve visões do céu e do inferno, e que teve uma influência considerável na arte e na literatura cristã medieval, especialmente em descrições do inferno.

Motivos para a Exclusão dos Apócrifos do Cânon Bíblico

A Igreja Católica e outras tradições cristãs decidiram não incluir os evangelhos e livros apócrifos no cânon bíblico por várias razões:

  • Autenticidade Duvidosa: Muitos dos textos apócrifos foram escritos séculos após a vida de Jesus e dos apóstolos, e as suas autorias são frequentemente atribuídas de forma pseudepígrafa, ou seja, falsamente a figuras apostólicas ou bíblicas.
  • Doutrinas Divergentes: Alguns textos apócrifos contêm ensinamentos que contrariam as doutrinas cristãs estabelecidas, especialmente aqueles influenciados pelo gnosticismo. Por exemplo, a visão gnóstica da criação e do papel de Jesus diverge significativamente do ensino ortodoxo.
  • Falta de Uso Litúrgico: Os textos que não foram amplamente usados nas liturgias cristãs primitivas foram considerados menos autoritativos. Os livros canónicos, por outro lado, eram amplamente lidos e reverenciados nas igrejas primitivas.
  • Orientação dos Concílios: O processo de canonização da Bíblia, que se deu entre os séculos IV e V, envolveu vários concílios e líderes da Igreja que avaliaram os textos disponíveis. Eles decidiram incluir apenas aqueles que consideravam inspirados pelo Espírito Santo e consistentes com a tradição apostólica.

Significado e Valor dos Apócrifos Hoje

Apesar de não serem canónicos, os livros e evangelhos apócrifos têm valor histórico e teológico. Eles fornecem uma visão sobre a diversidade de crenças e práticas no cristianismo primitivo e ajudam a entender melhor as disputas teológicas da época. Além disso, os apócrifos oferecem ensinamentos sobre as formas como diferentes comunidades cristãs entendiam e expressavam a fé. Eles também influenciaram a arte, a literatura e a espiritualidade cristã ao longo dos séculos, especialmente na tradição mística.

A Visão da Igreja Católica sobre os Apócrifos

A Igreja Católica mantém uma distinção clara entre os textos canónicos e os apócrifos. No entanto, os textos apócrifos não são totalmente descartados, eles são estudados e reconhecidos pelo seu valor histórico e cultural. A Igreja adverte os fiéis a abordarem esses textos com discernimento, lembrando que, embora possam conter verdades e inspirações, eles não possuem a mesma autoridade divina que os textos canónicos.

Impacto na Cultura Popular e na Literatura Cristã

Os textos apócrifos, especialmente os evangelhos gnósticos, ganharam uma nova vida na cultura popular e na literatura moderna. Obras de ficção e cinema, como “O Código Da Vinci”, popularizaram ideias e narrativas baseadas em apócrifos, muitas vezes misturando fatos e ficção.

Essa popularização tem gerado tanto interesse quanto confusão entre o público em geral, destacando a importância de uma compreensão clara e bem-informada sobre o que esses textos realmente são e como foram vistos historicamente pela Igreja.

Conclusão

Os livros e evangelhos apócrifos são uma parte intrigante do legado cristão, oferecendo uma janela para a diversidade e a complexidade do cristianismo primitivo. Embora não sejam reconhecidos como escrituras inspiradas pela Igreja Católica, eles continuam a ser objeto de estudo académico e interesse cultural. Para os fiéis católicos, é essencial abordá-los com discernimento e uma compreensão sólida da doutrina e da tradição cristã, reconhecendo o seu valor histórico, mas também as razões pelas quais foram excluídos do cánon bíblico.

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