Neste dia, em 1940, era assinada a primeira Concordata entre Portugal e a Santa Sé

A Concordata de 1940 entre Portugal e a Santa Sé foi um dos documentos mais significativos da história contemporânea portuguesa no que diz respeito às relações entre o Estado e a Igreja Católica. Assinada durante o governo de António de Oliveira Salazar e o pontificado do Papa Pio XII, o acordo restaurou formalmente as relações diplomáticas entre Lisboa e o Vaticano e redefiniu os direitos e deveres da Igreja num Estado confessional, mas de matriz política autoritária.

Antecedentes históricos

A relação entre Portugal e a Santa Sé é tão antiga quanto a própria nacionalidade portuguesa. Desde a fundação do Reino, a Igreja teve um papel essencial na legitimação da autoridade régia e na formação espiritual, cultural e educativa da sociedade. Em troca, os reis portugueses obtiveram privilégios especiais da Santa Sé, como o Padroado Português do Oriente, que concedia à Coroa o direito de administrar as missões e dioceses nos territórios ultramarinos.

No entanto, com a implantação da República em 1910, a situação alterou-se radicalmente. O novo regime laicizou o Estado, promulgou a Lei da Separação da Igreja e do Estado (1911) e suprimiu as ordens religiosas, nacionalizando muitos dos seus bens. As relações diplomáticas entre Portugal e o Vaticano foram cortadas, e a Igreja passou por um período de perseguição e marginalização.

Durante a década de 1920, com o fim da Primeira República e a ascensão do Estado Novo, Salazar procurou restaurar a estabilidade social e moral, vendo na Igreja um aliado natural para a ordem e disciplina nacional. Assim começou uma aproximação que culminou na assinatura da Concordata de 1940.

A assinatura da Concordata de 1940

A Concordata entre a Santa Sé e Portugal foi assinada a 7 de maio de 1940 e ratificada a 1 de julho do mesmo ano, sendo acompanhada por um Acordo Missionário que regulava as missões católicas nos territórios ultramarinos. Este conjunto de documentos foi celebrado entre o cardeal Luigi Maglione, secretário de Estado do Vaticano, e Manuel Gonçalves Cerejeira, cardeal-patriarca de Lisboa e amigo pessoal de Salazar.

O texto pretendia resolver as tensões herdadas do período republicano e regular juridicamente a presença e a ação da Igreja Católica em Portugal e nas colónias.

O cerne da Concordata de 1940

A Concordata de 1940 reconheceu oficialmente o caráter católico da nação portuguesa, concedendo à Igreja uma posição de destaque na sociedade. Entre os principais pontos do acordo, destacavam-se:

  • Reconhecimento jurídico da Igreja Católica e das suas instituições (dioceses, paróquias, seminários, ordens religiosas).
  • Liberdade de culto e de ensino religioso, especialmente nas escolas particulares e no ensino público, sob certas condições.
  • Reconhecimento do matrimónio canónico, que passou a ter efeitos civis, mediante o registo obrigatório.
  • Isenções fiscais e benefícios para instituições eclesiásticas, especialmente nas atividades religiosas e caritativas.
  • Proteção do clero, que ficou isento de serviço militar e de algumas obrigações cívicas.
  • Direito de intervenção do Estado em matérias consideradas de interesse público, como nomeações episcopais, que exigiam consulta prévia ao governo.

O texto, embora garantisse a autonomia da Igreja, reforçava o controlo do Estado sobre várias dimensões da sua ação, traduzindo o equilíbrio que Salazar procurava entre cooperação e tutela.

O Acordo Missionário de 1940

Em paralelo, o Acordo Missionário estabeleceu que as missões católicas nos territórios ultramarinos estariam sob o patrocínio do Estado português, reafirmando o antigo espírito do Padroado. Assim, Portugal mantinha o direito de propor nomes de missionários e de controlar a ação eclesial nas colónias, numa clara tentativa de associar a evangelização ao projeto imperial.

Consequências e importância histórica

A Concordata de 1940 representou uma reconciliação institucional entre Portugal e a Santa Sé, pondo fim a décadas de tensão e marginalização da Igreja. Reforçou o papel da religião católica na educação, na moral pública e na vida política, consolidando o modelo de união moral entre Estado e Igreja que o Estado Novo defendia.

No entanto, esse equilíbrio começou a ser questionado após o Concílio Vaticano II (1962-1965) e, sobretudo, depois do 25 de Abril de 1974, quando a nova Constituição portuguesa consagrou o princípio da liberdade religiosa e separação entre Igreja e Estado. Em 1975, foi assinado um Protocolo Adicional para adaptar o texto de 1940 ao novo contexto democrático, mas apenas com a Concordata de 2004 é que se deu a revisão completa do acordo.

Conclusão

A Concordata de 1940 foi mais do que um simples tratado diplomático: representou a consolidação de uma aliança entre o poder político e o poder religioso, num momento em que o Estado português procurava estabilidade e legitimidade moral.

Embora o seu conteúdo reflita uma época de forte intervenção estatal e de supremacia católica, o documento teve um papel decisivo na reconstrução das relações com a Santa Sé e na definição do estatuto jurídico da Igreja em Portugal.

Com a sua substituição em 2004, a Concordata de 1940 permanece como um marco histórico que ajuda a compreender a complexa e longa relação entre o catolicismo e a identidade nacional portuguesa.

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