Neste dia, em 1740, o Papa Bento XIV publicava a primeira encíclica

A encíclica é hoje um dos documentos mais conhecidos e respeitados do magistério pontifício, utilizada pelos Papas para se dirigirem não apenas ao clero, mas também a todo o povo de Deus e, muitas vezes, ao mundo inteiro. Contudo, este género literário-teológico nem sempre existiu tal como o conhecemos hoje. A sua forma moderna tem origem no século XVIII, com a publicação da encíclica Ubi primum, escrita pelo Papa Bento XIV em 1740.

Antes das Encíclicas: o Magistério Papal nos Primeiros Séculos

Nos primeiros séculos da Igreja, os Papas comunicavam-se com as comunidades cristãs sobretudo através de cartas (epístolas) ou decretos específicos:

  • Cartas apostólicas: escritas a comunidades locais ou a bispos, em estilo mais pastoral.
  • Constituições apostólicas: de caráter jurídico, estabelecendo normas.
  • Bulas: documentos solenes, assim chamados pelo selo de chumbo (bulla) que autenticava o texto.
  • Breves apostólicos: semelhantes às bulas, mas menos formais.

Durante a Idade Média e o início da Idade Moderna, os Papas continuaram a usar sobretudo bulas para tratar de temas doutrinais ou disciplinares. Estas eram frequentemente muito jurídicas, escritas em latim denso e destinadas a contextos específicos, não tendo um carácter universal como as encíclicas modernas.

A Viragem com Bento XIV e a Ubi primum (1740)

O Papa Bento XIV (1740-1758), nascido Prospero Lambertini, é considerado um dos Papas mais cultos e intelectuais da história. Pouco após a sua eleição, escreveu a encíclica Ubi primum, publicada a 3 de dezembro de 1740.

Conteúdo da encíclica

  • Foi dirigida a todos os bispos do mundo, e não apenas a uma região ou grupo específico, o que lhe conferiu um carácter universal.
  • Tratava sobretudo do ministério episcopal: responsabilidades dos bispos na pregação, na vigilância da disciplina e na formação do clero.
  • Enfatizava o dever pastoral dos pastores de almas, a importância da vida exemplar e a necessidade de uma união firme com o Papa.

Importância da Ubi primum

  • É considerada a primeira encíclica moderna, porque inaugura o estilo pastoral e universal típico deste género.
  • Diferentemente das bulas, não se tratava de uma decisão jurídica ou de uma lei, mas de um apelo espiritual e pastoral.
  • Estabeleceu um modelo que os Papas seguintes passaram a adotar: dirigirem-se a toda a Igreja através de um texto acessível, centrado em ensinamentos e exortações.

Depois da Ubi primum: a Consolidação da Encíclica

Após Bento XIV, os Papas começaram a usar com mais frequência este formato, até que a encíclica se tornou um dos meios principais do magistério.

Século XIX: a grande expansão das encíclicas

  • Com o Papa Gregório XVI (1831-1846) e, sobretudo, com Pio IX (1846-1878), as encíclicas passaram a ser usadas regularmente.
  • Pio IX, por exemplo, publicou a encíclica Quanta Cura (1864), acompanhada do famoso Syllabus Errorum, condenando os erros modernos.

Século XX: as grandes encíclicas sociais e doutrinais

  • Leão XIII (1878-1903) elevou o género, publicando cerca de 86 encíclicas. Entre elas, a mais famosa é a Rerum Novarum (1891), sobre a questão operária, considerada o marco da Doutrina Social da Igreja.
  • Desde então, as encíclicas tornaram-se os textos de maior peso doutrinal depois das constituições conciliares.

Século XXI: continuidade e atualidade

  • Os Papas modernos usam-nas como principal meio de ensino. João Paulo II, Bento XVI e Francisco recorreram amplamente às encíclicas para tratar de fé, moral, ecologia e desafios atuais.
  • Exemplos recentes incluem Laudato si’ (2015, Papa Francisco) e Fratelli tutti (2020).

Conclusão

A publicação da encíclica Ubi primum por Bento XIV em 1740 marcou um ponto de viragem na forma como os Papas comunicavam com a Igreja. Antes dela, predominavam as bulas e outros documentos jurídicos, direcionados a situações concretas. A Ubi primum inaugurou o estilo pastoral, universal e doutrinal das encíclicas modernas, que se tornaram, desde então, um dos principais instrumentos do magistério papal.

A partir dessa primeira encíclica, abriu-se um caminho que permitiria à Igreja responder aos desafios do mundo contemporâneo de forma sistemática e acessível, fazendo das encíclicas um elo fundamental entre o Sucessor de Pedro e os fiéis de todo o mundo.

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