Neste dia, em 1223, o Papa Honório III confirmava a Regra dos Franciscanos

Entre os momentos mais significativos da história da Igreja e da vida religiosa está a confirmação da Regra Bulada da Ordem dos Frades Menores, redigida por São Francisco de Assis e aprovada pelo Papa Honório III no Palácio Apostólico de São João de Latrão, em Roma, no dia 29 de novembro de 1223.
Este acontecimento marcou o nascimento oficial da Ordem Franciscana tal como hoje a conhecemos, e permanece um dos pilares da espiritualidade cristã centrada na humildade, na pobreza e na fraternidade evangélica.

As origens: o sonho evangélico de Francisco

São Francisco de Assis (1181–1226) não pretendia fundar uma nova ordem religiosa. O seu desejo era apenas seguir o Evangelho de Cristo à letra, vivendo na pobreza, na simplicidade e na alegria.

Em 1208, inspirado por uma passagem do Evangelho de São Mateus — “Não leveis ouro, nem prata, nem dinheiro nos vossos cintos; nem alforge para o caminho, nem duas túnicas, nem sandálias, nem cajado” (Mt 10,9-10) —, Francisco decidiu viver como “pobre entre os pobres” e começou a atrair companheiros que desejavam partilhar esse ideal.

A pequena fraternidade, inicialmente conhecida como os “penitentes de Assis”, começou a crescer rapidamente. Diante desse desenvolvimento, Francisco percebeu a necessidade de redigir uma “forma de vida”, um texto que reunisse os princípios fundamentais do grupo: pobreza absoluta, fraternidade, oração e obediência à Igreja.

A primeira Regra e a aprovação oral do Papa Inocêncio III

Por volta de 1209, Francisco elaborou uma primeira Regra, muito simples e composta essencialmente por trechos do Evangelho.
Com esta Regra, viajou até Roma, acompanhado de alguns irmãos, e apresentou-a ao Papa Inocêncio III, que, após algum tempo de discernimento, concedeu-lhe aprovação oral.

Esta aprovação, embora não formalizada por bula, foi suficiente para permitir que Francisco e os seus companheiros pregassem e vivessem segundo o Evangelho com o reconhecimento da Igreja. Assim nascia, de forma embrionária, a Ordem dos Frades Menores.

Da experiência à maturidade: a redação da Regra definitiva

Com o crescimento rápido da fraternidade e a entrada de muitos novos membros, surgiram desafios de convivência, de organização e de fidelidade ao ideal original.

Por isso, Francisco, já mais amadurecido e experimentado, decidiu rever e estruturar a Regra de modo mais claro e concreto.
Em 1221, redigiu uma segunda versão, conhecida como Regra não bulada, mais extensa e menos jurídica, que procurava preservar o espírito evangélico original, mas que ainda carecia de precisão canónica.

Dois anos mais tarde, com o auxílio de irmãos próximos — entre eles Frei Elias de Cortona —, Francisco elaborou uma versão mais breve e jurídica da Regra, que seria submetida à Santa Sé.
Esta é a Regra Bulada, assim chamada porque foi confirmada e selada com uma bula papal — documento solene autenticado com o selo de chumbo do Papa.

A confirmação por Honório III

A Regra Bulada foi aprovada pelo Papa Honório III no dia 29 de novembro de 1223, através da bula Solet annuere, emitida no Palácio Apostólico de São João de Latrão, residência pontifícia na época.

O Papa, que conhecia bem a reputação de santidade de Francisco e o impacto espiritual do seu movimento, quis garantir que o carisma franciscano permanecesse fiel ao Evangelho e em comunhão com a Igreja.

A bula papal começa com as palavras:

“O Papa Honório, servo dos servos de Deus, concede a aprovação à forma de vida dos Frades Menores, escrita por Frei Francisco e confirmada pela Sé Apostólica.”

Com esta confirmação, a Ordem dos Frades Menores tornou-se oficialmente reconhecida pela Igreja Católica, com uma Regra definitiva que combinava o espírito evangélico e a obediência eclesial.

Conteúdo e espírito da Regra Bulada

A Regra Bulada, composta por 12 capítulos, é um texto profundamente evangélico e simples. Entre os seus pontos essenciais destacam-se:

  • A vida em obediência, sem nada de próprio e em castidade;
  • A observância fiel do Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo;
  • O dever de trabalhar com humildade e receber esmolas com gratidão;
  • A proibição de aceitar dinheiro diretamente;
  • A importância da pregação, da penitência e da fraternidade;
  • A obediência ao Papa e aos ministros da Igreja.

Francisco não quis criar uma regra de carácter jurídico, mas um caminho de conversão contínua. A Regra é, portanto, uma expressão do Evangelho vivido, mais do que um conjunto de normas.

Impacto e importância histórica

A confirmação da Regra Bulada foi um marco decisivo não apenas para os franciscanos, mas para toda a Igreja.
Ela consagrou um novo modelo de vida religiosa, diferente das ordens monásticas tradicionais. Os Frades Menores não viviam em mosteiros isolados, mas no meio do povo, pregando, ajudando os pobres e testemunhando a alegria do Evangelho.

A espiritualidade franciscana, centrada na pobreza, na humildade e na fraternidade universal, tornou-se um farol para o mundo cristão, influenciando não só a Igreja, mas também a cultura, a arte e o pensamento social europeu.

A simplicidade da Regra Bulada permitiu ainda que surgissem, mais tarde, as diversas famílias franciscanas: a Primeira Ordem (Frades Menores), a Segunda Ordem (Clarissas) e a Terceira Ordem (leigos franciscanos).

A Regra Bulada e a atualidade

Oito séculos depois, a Regra Bulada continua a ser a base da vida franciscana em todo o mundo.
Em 2023, celebraram-se os 800 anos da sua aprovação, com celebrações internacionais organizadas pela Ordem dos Frades Menores e reconhecidas oficialmente pelo Vaticano como parte do “Jubileu Franciscano 2023-2026”, que culminará em 2026 com os 800 anos da morte de São Francisco.

O Papa Francisco, ao longo do seu pontificado, tem frequentemente recordado o exemplo do santo de Assis, cuja Regra continua atual como um apelo à pobreza evangélica, à fraternidade e ao cuidado da criação.
A encíclica Laudato Si’, dedicada à ecologia integral, e a exortação Fratelli Tutti são ecos modernos do espírito da Regra Bulada: viver o Evangelho com simplicidade e amor universal.

Conclusão

A confirmação da Regra Bulada, em 1223, no Palácio de Latrão, foi muito mais do que um ato administrativo da Igreja: foi a consagração de um ideal evangélico que mudou o cristianismo.

São Francisco, com a sua humildade e fidelidade, mostrou que a verdadeira reforma da Igreja começa pela conversão pessoal e pela vivência do Evangelho.
E o Papa Honório III, ao aprovar a Regra, reconheceu e abençoou esse novo caminho, que ainda hoje inspira milhões de pessoas em todo o mundo.

“E o Senhor me deu irmãos” — São Francisco de Assis
(Regra Bulada, cap. VI)

Partilha esta publicação:

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *