Neste dia, em 1512, o Túnica Sagrada foi exibida ao público pela primeira vez

Entre as relíquias mais veneradas do cristianismo encontra-se a Túnica Sagrada — também chamada Túnica de Cristo ou Túnica Inconsútil, isto é, sem costura. É a vestimenta que, segundo a tradição bíblica, Jesus usou durante a Paixão e que os soldados romanos não rasgaram, mas lançaram sortes para decidir quem ficaria com ela. Ao longo dos séculos, esta túnica tornou-se símbolo da unidade da Igreja e da entrega total de Cristo na cruz.

Entre as relíquias que afirmam conservar esta túnica, duas são particularmente célebres: a de Trier (Tréveris), na Alemanha, e a de Argenteuil, em França. Ambas possuem histórias antigas, ligadas à fé, à piedade popular e à preservação de uma das peças mais significativas da tradição cristã.

A origem bíblica da Túnica de Cristo

O relato da Túnica Sagrada encontra-se nos Evangelhos e, de modo mais detalhado, no Evangelho segundo São João (19, 23-24):

Os soldados, depois de crucificarem Jesus, tomaram as Suas vestes e dividiram-nas em quatro partes, uma para cada soldado, e também a túnica. A túnica, porém, era sem costura, tecida de alto a baixo como um todo. Disseram, pois, uns aos outros: ‘Não a rasguemos, mas lancemos sortes sobre ela, para ver de quem será.’ Assim se cumpriu a Escritura: ‘Repartiram entre si as minhas vestes e sobre a minha túnica lançaram sortes.’”

A túnica de Jesus tornou-se, assim, símbolo da unidade indivisível da Igreja, tal como a peça sem costura que os soldados se recusaram a rasgar representa o Corpo de Cristo, que deve permanecer uno e íntegro.

A Túnica Sagrada de Trier: a mais antiga tradição

A relíquia mais antiga e mais venerada da Túnica de Cristo encontra-se na Catedral de Trier (Tréveris), uma das cidades cristãs mais antigas da Europa. A tradição local afirma que a túnica foi levada para Trier pela Imperatriz Santa Helena, mãe do imperador Constantino, que no século IV realizou peregrinações à Terra Santa e trouxe consigo várias relíquias da Paixão de Cristo — entre elas, a Santa Cruz e a Túnica Sagrada.

Segundo os registros, a túnica foi guardada cuidadosamente na catedral, sendo considerada uma relíquia da mais alta importância. Durante séculos, permaneceu escondida, envolta em várias camadas de tecido e selada para evitar deterioração.

A primeira apresentação pública e o imperador Maximiliano I

A primeira exibição pública da Túnica Sagrada ocorreu a 14 de abril de 1512, por ordem do imperador Maximiliano I. O bispo de Trier, Richard von Greiffenklau, abriu o relicário e mostrou a relíquia ao povo pela primeira vez. Este acontecimento atraiu multidões de peregrinos de toda a Europa, marcando o início de uma longa tradição de peregrinações à Túnica Sagrada.

A devoção cresceu de forma notável, e Trier tornou-se um dos principais centros de peregrinação da Alemanha. A relíquia era vista como um sinal da unidade cristã num tempo em que começavam a surgir divisões religiosas que culminariam pouco depois na Reforma Protestante.

Exposições e peregrinações ao longo dos séculos

A Túnica de Trier foi exibida publicamente em várias ocasiões ao longo da história. Entre as mais notáveis estão:

  • 1512 – Primeira exibição, sob o imperador Maximiliano I.
  • 1585 e 1594 – Exposições posteriores em tempos de guerra e peste, como ato de intercessão.
  • 1844 – Grande peregrinação, durante a qual cerca de um milhão de fiéis visitaram a catedral de Trier.
  • 1891 – Nova exposição sob o Papa Leão XIII, reforçando a devoção ao Cristo sofredor.
  • 1933 e 1959 – Exposições durante momentos de crise, incluindo o período entre guerras.
  • 1996 e 2012 – Celebrações modernas, com o tema da unidade e reconciliação cristã.

Durante estas peregrinações, a Igreja sublinha sempre o caráter espiritual da relíquia — um convite à conversão e à unidade dos cristãos — mais do que o seu valor material.

O estado atual da relíquia

A túnica encontra-se selada num relicário especial dentro da Catedral de Trier, num ambiente controlado para garantir a sua preservação. Está fortemente protegida e raramente exposta. O tecido, de cor acastanhada e aparência frágil, mostra sinais de reparações antigas e é composto de linho e lã.

Embora não haja prova científica definitiva da sua autenticidade, a relíquia continua a ser um símbolo poderoso da fé cristã e da devoção ao Cristo crucificado.

A Túnica de Argenteuil: uma tradição francesa

Outra relíquia venerada da Túnica de Cristo encontra-se em Argenteuil, perto de Paris. Segundo a tradição, esta túnica foi oferecida pelo imperador Carlos Magno à sua filha, Santa Teodrada, abadessa do mosteiro de Argenteuil, no século IX.

A relíquia permaneceu guardada no mosteiro durante séculos, mas a história da França levou a que sofresse vários episódios de ocultação e profanação:

  • Durante as invasões normandas, a túnica foi escondida para evitar o saque.
  • Em 1793, durante a Revolução Francesa, foi rasgada em pedaços para salvaguardar partes da relíquia, sendo depois reconstituída.

A Túnica de Argenteuil foi reconhecida oficialmente pela Igreja e apresentada publicamente em 1895 e novamente em 1934, 1984 e 2016, atraindo milhares de peregrinos.

Estudos científicos realizados no século XXI indicam que o tecido tem origem na Palestina e data de cerca do século I, o que reforça a tradição, embora sem constituir prova conclusiva.

Muitos indicam que esta túnica não era a que Jesus tinha aquando da sua Paixão, mas uma outra que usava anteriormente.

Duas tradições, uma só fé

As relíquias de Trier e Argenteuil, embora distintas, não são vistas como rivais, mas como expressões diferentes da mesma fé. A Igreja não se pronuncia de forma definitiva sobre a autenticidade material de cada uma, mas reconhece o seu valor espiritual e o poder que têm de conduzir os fiéis à contemplação do mistério da Paixão de Cristo.

Ambas as túnicas recordam-nos o sofrimento e a entrega de Jesus, e a túnica “sem costura” evoca a unidade da Igreja, chamada a permanecer íntegra e unida sob o mesmo Senhor.

Conclusão

A Túnica Sagrada é mais do que uma relíquia — é um símbolo vivo da fé cristã, que atravessou os séculos e sobreviveu a guerras, perseguições e dúvidas. Quer em Trier, quer em Argenteuil, os fiéis veem nela um apelo à comunhão, à humildade e à contemplação do amor de Cristo que se deu por inteiro.

Assim como os soldados lançaram sortes pela túnica, o mundo de hoje ainda se divide em muitos aspetos. Mas esta vestimenta sem costura recorda-nos que o Corpo de Cristo não pode ser dividido: a Igreja é chamada a ser uma só, testemunha do amor que unifica e redime.

Que todos sejam um, como Tu, Pai, estás em Mim e Eu em Ti” (Jo 17,21).

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