A figura do Papa é central para a Igreja Católica, não apenas como chefe espiritual, mas também como símbolo da unidade da fé. A forma como este líder é eleito evoluiu significativamente ao longo dos séculos. Desde escolhas informais nos primeiros séculos do cristianismo até ao rigoroso e secreto processo do conclave, a história da eleição papal é rica em tradição, inovação e até conflitos.
Eleição de papas na Igreja primitiva
Nos primeiros tempos do cristianismo, a eleição de um novo bispo de Roma — título que mais tarde se identificaria com o Papa — era um processo essencialmente comunitário. Os cristãos romanos, clero e povo juntos, participavam da escolha do sucessor de São Pedro.
Essa escolha era feita por aclamação, voto direto dos presbíteros e diáconos de Roma, ou até por eleição influenciada por mártires ou confessores da fé. Não existia ainda um colégio formal de eleitores, e a influência popular podia ser decisiva. Por exemplo, São Fabiano (Papa de 236 a 250) foi eleito porque, segundo consta, uma pomba pousou sobre a sua cabeça durante uma reunião, o que foi interpretado como sinal do Espírito Santo.
Com o tempo, especialmente após o Édito de Milão (313 d.C.), a crescente institucionalização da Igreja levou a um processo mais organizado. A partir do século V, a aristocracia romana e o próprio imperador começaram a ter influência nas eleições papais. Em vários momentos da história, a ingerência política dos imperadores do Ocidente e do Oriente influenciou fortemente a escolha dos papas.
O surgimento do Colégio dos Cardeais
A partir do século XI, foi dada maior estrutura ao processo eletivo. Em 1059, o Papa Nicolau II publicou a bula In Nomine Domini, um marco na história da Igreja. Este documento estabeleceu que a eleição papal seria responsabilidade exclusiva do clero mais próximo do Papa: os cardeais-bispos. Mais tarde, esta função foi estendida aos cardeais-presbíteros e cardeais-diáconos, formando o Colégio dos Cardeais tal como hoje é conhecido.
Este foi um passo importante para libertar a eleição papal das pressões externas, sobretudo da interferência de poderes seculares.
Como surgiu o conclave
Apesar das reformas, as eleições continuavam longas e marcadas por conflitos. Um episódio decisivo deu-se após a morte do Papa Clemente IV, em 1268. A Sé de Pedro ficou vaga durante quase três anos, devido à discórdia entre os cardeais. A população de Viterbo (onde os cardeais estavam reunidos) perdeu a paciência: fechou-os literalmente a cadeado no palácio episcopal, cortou os víveres e até retirou o telhado, forçando uma decisão.
Este episódio inspirou a palavra “conclave”, do latim cum clave, que significa “com chave” — ou seja, trancados numa sala até decidirem.
O Papa Gregório X formalizou esse modelo em 1274, no Concílio de Lyon II, com a constituição Ubi Periculum. Ali se estabeleciam regras rigorosas para os cardeais reunidos em conclave, incluindo a clausura obrigatória e a redução gradual da alimentação para pressionar uma decisão rápida.
Particularidades do conclave moderno
Hoje, o conclave é um processo altamente ritualizado e secreto, que obedece às normas do documento Universi Dominici Gregis, publicado por João Paulo II em 1996, com atualizações posteriores.
Eis algumas das suas características principais:
1. Quem pode votar?
Apenas cardeais com menos de 80 anos de idade no dia da morte ou renúncia do Papa participam como eleitores. O número máximo permitido é 140 cardeais eleitores.
2. Onde acontece?
O conclave decorre na Capela Sistina, dentro do Vaticano. Os cardeais são alojados na Casa Santa Marta, sob rigoroso controlo de segurança.
3. Sigilo absoluto
Os cardeais fazem juramento de segredo. Não podem comunicar com o exterior por qualquer meio. Aparelhos eletrónicos são proibidos. Qualquer violação do sigilo pode levar à excomunhão automática.
4. Votação
São realizados até quatro escrutínios por dia (dois de manhã e dois à tarde), menos no primeiro dia em que é realizada apenas uma votação. Para ser eleito, o candidato deve obter dois terços dos votos. Se isso não acontecer após vários dias, podem aplicar-se regras especiais para facilitar a eleição.
O processo pode se repetir até o terceiro dia de conclave. Se ao final deste dia ainda não houver uma definição, o quarto dia será reservado para uma pausa para oração e discussão. Após a 33ª ou 34ª votação, há um escrutínio direto e obrigatório entre os dois cardeais mais votados na última votação. No entanto, mesmo neste caso, será sempre necessária uma maioria de dois terços.
5. O fumo
Após cada votação, os boletins são queimados. A cor do fumo indica o resultado: preto se não houve eleição, branco quando um novo Papa é escolhido.
6. Aceitação e anúncio
O eleito é perguntado: “Aceitas a tua eleição canónica como Sumo Pontífice?” Se aceitar, escolhe o seu nome papal. De seguida, o novo Papa é levado à Sala das Lágrimas para vestir as vestes papais; Aparece na loggia central da Basílica de São Pedro onde o Cardeal Protodiácono anuncia: “Habemus Papam!”. O novo Papa dá a bênção Urbi et Orbi.
Curiosidades do conclave
- Mais longo: o conclave mais longo durou quase 3 anos (1268–1271).
- Mais curto: o conclave mais rápido do século XX foi o de João Paulo I, eleito em apenas um dia (1978).
- Papas não cardeais: é possível eleger qualquer homem baptizado, mas desde 1378 que todos os papas têm sido cardeais antes da eleição.
- Renúncia rara: só dois papas renunciaram livremente — Celestino V (1294) e Bento XVI (2013).
Conclusão
A eleição de um Papa é muito mais do que um simples processo administrativo. É um evento profundamente espiritual, envolvido em silêncio, oração e discernimento. Desde as assembleias comunitárias dos primeiros cristãos até ao rigor do conclave moderno, a Igreja procurou garantir que a escolha do sucessor de Pedro se fizesse à luz do Espírito Santo — com o olhar voltado para o bem comum da Igreja universal.
Num tempo de rápidas mudanças e grandes desafios, o conclave continua a ser um dos momentos mais solenes e marcantes da vida da Igreja Católica — e um dos mais observados por todo o mundo.
